27/11/2008

Mudam-se os tempos...


Ontem a minha avó materna falava-me da 1ª Guerra Mundial. Isso mesmo, a primeira! Ela nasceu em 1908 e quando a guerra terminou tinha 10 anos. Daí ter lembranças bem vivas desses tempos terríveis. Lembra-se de, no dia 4 de Julho, um submarino alemão ter bombardeado - aliás, ressalvou ela, não foram bombas, foram granadas! - a cidade mas que, por falta de pontaria e por acção do Orion, um barco de guerra aqui estacionado, os obuses atingiram antes a Fajã de Cima, que, na altura, era longe, longe da cidade e ficava em pleno campo!
Fiquei a pensar no que será ter 100 anos, ter assistido a tantas guerras, a tanta evolução - do rádio para a televisão para a Internet, dos zepelins para o avião para as aeronaves, da morte por tuberculose para a morte por SIDA, da iluminação a gás para a electricidade para as energias renováveis... tanta, tanta mudança.
Ontem lembrei-me do meu avó paterno, que combateu na 1ª Guerra Mundial, nas trincheiras francesas, e de lá trouxe maleitas e memórias que nunca passaram.
Nós, que vivemos para o imediato, que não temos tempo para fazer um verdadeiro balanço da nossa vida, que queremos sempre mais e mais rápido e mais fácil, que será dito de nós daqui a 50 anos? 100 anos?
Ontem o meu filho fez 16 anos. Sweet sixteen. Para ele, a 1ª Guerra Mundial é uma relíquia das lembranças da bisavó. Uma guerra de carolas, de heróis de BD, de filmes da Disney.
Ontem senti que pertencia a geração nenhuma. Será que estou a ficar velha?

24/11/2008

PSSST!


De flores e peixes
Bem sei que a flor em questão não faz parte dos nossos cenários habituais. Não se encontra à beira da estrada, não pontilha os campos de azul nem cobre encostas de amarelo. Mas existe em profusão. De cor e variante. Chama-se prótea. Exacto. PRÓ-TE-A. Com acento no Ó. Não é proteia, próteia ou quejandos. Se assim fosse, que chamaríamos àquele simpático peixinho de carne branca e sabor tão popular na nossa cozinha? Abróteia? Tinha graça: ó Sr. Luís, prepare-me aí uma abróteiazinha cozida com couve e batata! É de hoje, a abróteia?
Prótea e abrótea assemelham-se apenas no facto de serem palavras esdrúxulas e de terem terminação semelhante. Aliás, quando falamos, é comum colocarmos o som de “i” no meio de sílabas cujos sons vocálicos sejam “e-a”; fica mais fácil. Como “vaguear”, “passear” ou “laurear”. A pevide… ou não.
Então, fica decidido: prótea é o género-tipo de uma planta ornamental da família das proteáceas. Palavra que não deve ser confundida com protéases, algo de muito complexo ligado às enzimas, proteínas e aminoácidos.
Por esse mundo fora, «protea» (à inglesa) pode também ser o nome de um carro criado nos anos 50 ou de uma equipa de críquete, tudo na África do Sul; ou de um asteróide, o 9313 Protea, mais precisamente, lá para os lados da cintura principal.
E o masculino de prótea não é próteo: este é o adjectivo que se usa quando se quer designar algo ou alguém que muda facilmente de opinião ou forma. Digam lá se não seria um epíteto fantástico!

Publicado no Açoriano Oriental de 23 Nov 08

18/11/2008

Açores, um olhar outro

Azores

Great green ships
themselves, they ride
at anchor forever;
beneath the tide

huge roots of lava
hold them fast
in mid-Atlantic
to the past.

The tourists, thrilling
from the deck,
hail shrilly pretty
hillsides flecked

with cottages
(confetti) and
sweet lozenges
of chocolate (land).

They marvel at
the dainty fields
and terraces
hand-tilled to yield

the modest fruits
of vines and trees
imported by
the Portuguese:

a rural landscape
set adrift
from centuries;
the rift

enlarges.
The ship proceeds.
Again the constant
music feeds

an emptiness astern,
Azores gone.
The void behind, the void
ahead are one.

John Updike

Qualquer dia publico aqui a tradução de Jorge de Sena.

17/11/2008

PSSST!

E nos Açores, chove!
Isto de se ser açoriano é realmente muito especial.
Para começar, temos direito a, pelo menos, 3 entradas nos dicionários. Até podem ser 4! Passo a explicar: AÇORIANO com um “i”, pois essa é a grafia mais correcta para o adjectivo que determina a nossa origem; em alguns dicionários ainda se encontra o antigo AÇOREANO, com um “e”, pois até aos anos 20 do séc. XX as duas grafias coexistiam; como variantes menos conhecidas, as entradas AÇORENSE e AÇORENHO.
Mas não é só por isso que somos especiais. Numa época em que as oscilações climáticas mudam a face do planeta, nós temos sempre chuva. Nunca falta água nos Açores. Basta ver os telejornais nacionais. Sim senhores, podem vir aos Açores à vontade, água há sempre, seja para beber, para lavar os dentes, para molhar os pezinhos. Ou para meter a pata na poça. Pudera, numa área de 2.333 km2, no meio do Atlântico, num clima com as nossas características, há-de sempre chover em algum sítio, não é? E se a isso juntarmos o anticiclone, bendito mensageiro de bom tempo, fenómeno invejado nas terras do continente, ainda melhora. Porque eu acho que o nosso anticiclone não influencia apenas o tempo. Também mexe com a disposição. Por exemplo, acham que o Presidente da República tem estado sob a influência de uma frente fria? Sabemos que, durante o inverno, um anticiclone pode criar inversão de temperaturas e manter névoas no ar durante largos dias. No verão, não faço ideia. Com o aquecimento global, tudo é possível.
Mas não nos podemos queixar. Seria muito pior se (segundo rezam as histórias da História), em vez da ave açor, tivessem os navegadores reconhecido o milhafre — seríamos hoje os milhafrenses!
Publicado no Açoriano Oriental a 16 Nov 08

10/11/2008

PSSST!


Dupond e Dupont
Se é uma figura de estilo e linguagem, se é um vício habitual ou se é as duas coisas, a verdade verdadeira é que o pleonasmo veio para ficar para sempre e de vez.
Uf! E para completar esta torrente de pleonasmos, só me faltou colocar a palavra “ambas”. Compunha o ramalhete… para pior! Na verdade, não precisava praticamente de metade das palavras usadas, pois uma figura de estilo ou de linguagem é exactamente igual; um vício tem de ser um hábito ou então não é vício; a verdade é verdadeira; e ficar para sempre ou de vez é o mesmo!
Um pleonasmo é um pouco como o engraçadíssimo par Dupond e Dupont, das histórias de Tintim: fica tudo em duplicado. É uma redundância, propositada ou não. Se for, é um pleonasmo literário: “Ó mar salgado” de Pessoa é um pleonasmo, pois um mar só pode ser salgado (se tiver água doce é um lago); na literatura, o pleonasmo é usado para reforçar uma ideia de um texto. Se não for propositado, é resultado de vícios de linguagem, como “subir para cima”, descer para baixo”, “hemorragia de sangue”, “surpresa inesperada” ou “elo de ligação”.
Nada de mal acontece a quem recorre ao pleonasmo: não há punições, apenas se sujeita ao riso dos outros, desde o tique nervoso que eleva o canto dos lábios até à gargalhada desenfreada. Por exemplo, dizer que se tem uma ferida purulenta e cheia de pus é um pleonasmo, porque são exactamente a mesma coisa: o Dupond diz “purulenta” e o Dupont diz “cheia de pus”. «Eu diria mais»…
Publicado no Açoriano Oriental de 9 Nov 08

06/11/2008

Lembrei-me disto!

No workshop de escrita criativo conduzido pelo Nuno Costa Santos no "Rotas", uma das tarefas foi escolher 10 palavras preferidas. Escolhi: ameba, atilho, atroz, clarabóia, clausura, mnemónica, onomatopeia, oscular, placebo e resquício. Não me perguntem porquê, foi do que me lembrei. A tarefa seguinte foi escrever um pequeno conto onde as 10 palavras fossem utilizadas. Hoje lembrei-me, com saudade, desse workshop e decidi publicar aqui o conto.
Um Acordar Atroz
Naquele dia sentia-se muito pequeno.
Acordara demasiado cedo. Ainda não era hora de entrar na rotina. Não, não poderia ainda levantar-se, dobrar as cobertas da cama para trás em harmónio, colocar os pés no chão, calçar os chinelos, ir à casa de banho, levantar a tampa da sanita…
Não. Teria de esperar mais um pouco para que a luz do dia inundasse a clarabóia ao fundo do quarto e lhe desse o sinal esperado para levantar-se, dobrar as cobertas da cama para trás em harmónio, colocar os pés no chão…
Torceu as mãos, como se assim enxugasse aquele nervoso miudinho. Estava realmente a sentir-se estranho. Pequeno. Minúsculo. Microscópico. Uma ameba.
A mãe fora muito clara quando dissera que a função começava às cinco. Pontualmente. “Sharp”, como ela dissera, em mais um assomo de cosmopolitismo caquéctico.
Para afastar a perturbação, voltou a pensar na sua rotina. Era como uma ladainha, tão reconfortante como as que ouvira em criança quando ia à igreja com a avó, um cântico que o embalava, poderosas onomatopeias de devoção.
Os quadrados da luz do dia já resplandeciam no chão do quarto.
Era agora.
Sentou-se. Dobrou as cobertas da cama para trás em harmónio. Colocou os pés no chão. Calçou os chinelos. Rumou para a casa de banho. Levantou a tampa da sanita.
O estilhaçar do toque do telefone paralisou-o.
A clausura quebrada, a rotina escangalhada, a mnemónica dos gestos perdida.
Fechou a tampa da sanita. Reatou os atilhos do pijama. Deu meia volta e estacou diante do telefone, que continuava a tilintar estridentemente.
Seria a mãe, com um pedido extravagante amenizado por um frívolo ósculo final? Seria uma melíflua voz desconhecida, tentando convencê-lo a aderir ao produto Z? A um qualquer placebo que caucionasse a sua felicidade?
Com um resquício de coragem, atendeu.
Era engano.

04/11/2008

A Corrida




Tudo começou em 1973, com a largada da regata Whitbread a partir de Portsmouth. Esta regata à volta do mundo durou 144 dias e incluiu 17 barcos. Em 2001, a Whitbread transforma-se na Volvo Ocean Race que, hoje em dia, é um veneradíssimo evento dos desportos náuticos. Nas palavras dos organizadores, "The Volvo Ocean Race is an exceptional test of sailing prowess and human endeavour which has been built on the spirit of great seafarers - fearless men who sailed the world’s oceans aboard square rigged clipper ships more than a century ago." A edição 2008-2009 dura 9 meses (largada em Alicante em Outubro passado, chegada em São Petersburgo, Junho de 09), serão percorridas 37.000 milhas marítimas por um total de 8 embarcações.
Mas há mais! Se, para além de acompanhar a Volvo Ocean Race pelo site ou pelo canal específico, quiser navegar também, pode entrar na regata virtual e acompanhar os concorrentes no terreno. Melhor dizendo, nas ondas! Se ganhar, recebe um Volvo C30. Então, que tipo de navegador é você?

03/11/2008

PSSST!


Apesar de Ponta Delgada não ser Lisboa, Porto ou outra qualquer cidade igualmente azafamada, já pensou que passamos, no trânsito, larguíssimos minutos das nossas vidas? Sem contar com momentos de “interessante” voyeurismo (e que incluem aplicação de cosméticos, asseio matinal ou disciplinação de menores), as horas dispendidas ao volante de um automóvel justificam falar do assunto.
Quantas vezes já pensaram usar mais a bicicleta? Mais exercício, menos combustível, menos poluição… bem, talvez menos poluição, porque as buzinadelas e os aceleramentos que os automóveis fariam para se livrarem de si seriam tão poluentes quanto. Tudo porque não há ciclovias que sequer justifiquem o trabalho de espanejar a dita bicicleta, arremessada para um canto da garagem.
E o que será mais perigoso: uma passadeira normal, com os seus tímidos risquinhos pintados no chão ou uma passadeira elevada? Tendo em conta o voo planado de condutores mais acelerados e o efeito cardíaco que isso pode ter no peão, fica aqui a premente dúvida… E em dias de chuva, em que esta se transforma em manteiga assim que toca o paralelepípedo de calcário, ainda mais planado há-de ser o voo.
Que considera mais flagrante — um condutor de uma viatura das forças policiais (em andamento normal, como todos nós) a falar ao telemóvel imediatamente à sua frente ou imediatamente atrás de si? Sinceramente, eu prefiro à minha frente, sempre posso ir controlando melhor a coisa.
Creio que estas são questões pertinentes. E se forem impertinentes, tanto melhor…
Publicado no Açoriano Oriental de 2 Nov 08