27/04/2009

PSSST!


No feminino!
Esta semana pensei muito no feminino. No género, quero eu dizer, das palavras. E se calhar no feminino em geral, que os tempos andam propícios…
Há aquelas palavras que são do género feminino mas que, apesar disso e de já o serem há uma data de anos, são pouco reconhecidas. Que género têm vocábulos como diabetes, síndroma ou testemunha? Feminino. Sempre.
Depois há os vocábulos que são sempre do género masculino, como cônjuge (não importa se você é a mulher ou homem, é sempre “o” cônjuge; e lê-se cônjuge e não conjugue, mesmo que você e o seu cônjuge se conjuguem muito bem …) ou grama (como em “o” quilograma, decigrama ou miligrama).
Há o caso da palavra que pode ter dois géneros, sendo prevalente um deles: personagem. Ainda que as gramáticas e os dicionários reconheçam os dois géneros, a preferência em termos de correcção vai para o feminino. E embora se trate de uma questão linguística, está igualmente de acordo com os tempos.
São também femininas palavras como justiça, igualdade, felicidade, discriminação e — uma expressão extraordinária que ouvi por estes dias — a ordem natural das coisas. Pois claro, nada mais natural do que a ordem das coisas, sem dúvida nada será tão feminino como a naturalidade das coisas e (apesar de ter agora algumas dúvidas e pouco espaço para reflectir no assunto) pouco haverá neste mundo que seja tão ordeiro como as coisas naturais.
Eu, ilhoa, quando for primeira-ministra ou juíza ou presidenta (não incluo aqui as hipóteses monja, giganta ou hóspeda, que não dão jeito para a questão…) decretarei imensas coisas úteis e naturais, incluindo que nunca mais se confundam os géneros das palavras.
E liberdade também é feminina.


Publicado no Açoriano Oriental a 26 Abril 09

21/04/2009

XKCD: Webcomic Strips + Stick Figures + Math and Romance

Descobri-os no NY Times, vão ser publicados em livro (livro mesmo!) e são a banda desenhada XKCD, mais conhecidos por webcomics e não passam de stick figures do complicado mundo actual. Vale a pena espreitar!

19/04/2009

PSSST!


Isso nem parece seu!
Eu sei que vivemos numa sociedade consumista. Crise ou não crise, adquirimos bens e usamos serviços. Mas, que diacho, não ponham na minha posse coisas que não me pertencem. Olhem lá o sigilo bancário… ou a falta dele. A propósito, como li num blogue esta semana, quem vai controlar o assunto? E, pergunto eu, quem vai controlar quem controla?
Voltando à posse. A culpa é da supremacia do «seu». Ouço e leio por todo o lado que isto é seu, aqueloutra é sua; nunca é dele ou dela, é sempre seu. Ora bem, se sou eu o destinatário da mensagem, presumo que é meu. Não é. O meu, declaro no IRS. Por exemplo, uma loja ou um restaurante anunciam — dirigindo-se a nós directamente — que “os seus preços” são isto ou aquilo. Não são os meus preços, de certeza absoluta. São os preços deles; se fossem os meus seriam bem diferentes!
O uso do pronome possessivo «seu» para referir o que é possuído por terceira pessoa está correcto. Mas também pode servir para referir o que é de segunda pessoa (em presença e se tratada com cerimónia). Portanto, o erro está no abuso. Assim, para diferenciar, nesses casos deve preferir-se o pronome «dele» e devidas flexões. Se eu estiver a falar com alguém a quem trato por «você» e se surgir outro referente na conversa, o uso de «seu» pode criar confusão: vai ficar sempre a dúvida de quem possui o quê. E, se calhar, quando e onde! Livra!
Diálogo tirado à pressa do chapéu:
— Olá, como está? Liguei ontem para a sua filha, mas o seu telemóvel estava desligado.
— O meu telemóvel?
— Não, o da sua filha…
O ideal teria sido «o telemóvel dela». Por isso, parem de colocar em meu nome o que é de outrem. Posso nem querer…


Publicado no Açoriano Oriental a 19 Abril 09

12/04/2009

PSSST!


Como diche?
Já não é a primeira vez que reparo neste fenómeno! A facilidade com que colocamos os sons de S/CH onde eles não são necessários, leva-me a concluir (as minhas conclusões são muito pouco científicas!) que sofremos de… ciciamento. Ciciamos. Se os nossos antepassados já ciciavam, se ciciaremos para sempre ou se cessaremos de ciciar, não faço ideia.
Não será sequer um defeito, nos casos (e semelhantes) que aqui apresento; creio que será mesmo um mau uso da língua. Vejamos alguns exemplos comuns: “prontos!” (como interjeição demonstrativa) em vez de “pronto!”, um abominável hábito; “salchicha” ou “chalchicha” ao invés de salsicha; “estou cá com uma dores de cabeça”, expressão onde a bota não bate mesmo com a perdigota em flexão de número. Outros haverá!
Mas o mais engraçado é que também fazemos o contrário: comemos sons sibilantes. Como se chama a quem cicia? Para além do popular “sopinha de massa”, claro! Desde pequena que me habituei a ouvir a expressão “cioso” ou “ciosa”. Está mal! Quem cicia é cicioso. E quem é invejoso ou zeloso é que será cioso. Se quem é cicioso é cioso do seu cicio, já será outra história. Porque, provavelmente, seria complicado dizer CI-CI-O-SO (tantos sons sibilantes!), deixou-se cair, na linguagem falada apenas, o primeiro CI… Pois claro, ainda por cima com uma palavrinha tão parecida logo ali à mão! Ciciar, mas como verbo transitivo, também significa segredar ou sibilar. Uma cicia é uma espécie de cotovia; e Cicia é uma ilha das Fiji. Acho que fiquei contaminada… Boach Páscoach!


Publicado no Açoriano Oriental a 12 de Abril 2009

08/04/2009

Blogging... boing...


Andei pelos blogues, coisa só possível de acontecer numa semana que está a decorrer devagarinho, e encontrei, no site do Alvim, este outro delicioso site de uma tal de SpeakyTv, canal emblemático e divulgador do Festival Alternativo da Canção, inaugurada em Dezembro último (explorem bem o site antes de clicarem no link para o Festival...).

Noutro blogue, o Sinusite Crónica, apareceu um fantástico texto de Alexandre Borges sobre as Misses.

Por cá, realizam-se bailes das décadas de 60, 70 e 80 (nada de novo!).

O que se passa com o pessoal? Andamos com saudades de quê? Da despreocupação do passado? Da ligeireza da juventude? De sexo livre? De cuecas de gola alta? Do Elvis?

Não tenho uma resposta. Apenas pontos de interrogação. Apelo para os peritos nas -logias modernas.

06/04/2009

PSSST!


Do tempo da Maria Cachucha!
Muito se aprende no supermercado! Não só encontramos o melhor iogurte para o trânsito intestinal (informação já gentilmente cedida pela TV à hora das refeições, o que faz todo o sentido mas mesmo assim impressiona!) ou o melhor aloé para a roupa (receio que, qualquer dia, a minha roupa fale comigo e me diga, cara a cara, o que pensa de tanto detergente…), como também podemos escutar perguntas perfeitamente deliciosas. Outro dia, em grande aflição, uma senhora perguntava se vendiam aloquetes. Placidamente, a menina do caixa respondeu que não. Ainda mais placidamente, perguntei se sabia o que eram; e sabia. Não é fácil encontrar gente nova que saiba o que é um aloquete. Aliás, eu nem tinha a certeza de como se escrevia, pela distância que vai desde a última vez que vi essa palavra, tanto em papel, como no meu «scroll» mental (uma funcionalidade extremamente útil). Para mim, as palavras — para além do corpo das suas letras — possuem uma espécie de ficheiro biográfico que lhes confere personalidade.
E, dessa lembrança quase apagada, surgiram outras, algumas por sugestão de uma leitora (obrigada, Fátima). Aloquete, ou loquete, mais comum no Norte do país, significa fecho móvel, cadeado ou ferrolho, outra antiguidade. E coxim? O raro coxim? No dicionário, é uma espécie de sofá sem costas; cá, é almofada de sentar e não de deitar a cabeça. E a cruzeta, onde sempre pendurámos os casacos? A camionete… O ser-se chocalheiro… Sumir alguma coisa… Mas um dos meus preferidos é o uso de DISCRETO como sinónimo de esperto. É o suficiente para confundir qualquer um! Ou não… A verdade é que uma pessoa discreta (reservada) pouco revela, raramente correndo o risco de dizer o que não deve. Coisa rara, mais rara do que um coxim, hoje em dia!


Publicado no Açoriano Oriental a 5 Abril 09

02/04/2009

Dia Mundial do Livro Infantil

Já que hoje é o tal dia e como não há maneira de (anyone?) publicar o meu livro de contos a rimar, aqui fica mais um. Infelizmente, não há desenhos do Barradas para acompanhar!

A Cidade dos Cogumelos

Chovia, chovia, chovia, chovia...
e há já três meses que não se via
uma nesga de sol no céu;
só, na paisagem, um chapéu
de nuvens de cenho fechado
e o próximo verão ameaçado
de nunca mais o vir a ser.
Realmente, até custa a crer!
Suspiravam as pessoas,
que mais pareciam canoas
à deriva, sem amarração,
e uma neblina no coração.
É, pois, neste amargo cenário,
que vamos encontrar um canário
de fofa plumagem amarela
que, por detrás de uma janela,
vê, distante, o mundo passar.
E a chuva, sem nunca parar!
Certo dia, como os outros, tal e qual,
repara em algo pouco normal:
vai um homem a saltitar,
uma senhora quase a adornar,
um menino, a pé coxinho,
e mais além um velhinho...
“Vai o mundo a coxear!”,
pensa o bicho, sem disfarçar
o espanto por tal caso.
E então, no chão raso,
sentam-se todos, mesmo molhados,
e dos pés tiram os sapatos
para revelarem “Que horror!”,
um visão de tremendo pavor:
é que de tanta humidade
(tanta, que afogava a cidade!)
tinha nascido, meio a medo,
um cogumelo entre cada dedo!
Um fungo, redondo e pardo,
entre os dedos bem plantado,
com uma facécia de espantar
que nem se podia acreditar!
Tudo isto o canário observou
do poleiro em que ficou,
com os olhos esbugalhados,
na casa de vidros molhados.
Devagar, muito a custo,
— pois não queria tal susto! —
as suas patas remirou
e nada de anormal achou:
“Nem sombras de cogumelos!
Os meus pés continuam belos.”
(Na verdade, seriam patinhas,
tão recurvas como gavinhas).
“Ah, ah, talvez seja uma condição
de quem não é bicho de estimação!”
O canário assim pensava
enquanto, contente, saltitava
no seu poleiro metalizado
na casa de rosto molhado...
sem perceber que a Natureza
em toda a sua cruel beleza,
se estava encarregando
de nas suas patas ir plantando
uns quantos lustrosos fungos,
como os outros, tão redondos.
Por isso, antes de falares
e dos outros mal pensares,
pode a má sorte em ti reparar
e nos teus pés também plantar
qualquer acrescento hediondo –
nos pés... ou não importa onde
pois o que aos outros se deseja
pode cair-nos em cheio na cabeça!

Maria das Mercês Pacheco