25/01/2010

PSSST!

Quem me empresta um ‘lápi’ de cor?
O povo português é realmente muito criativo! Agarra em palavras de outras línguas, dá um abanãozito, uns pozinhos de perlimpimpim e… já está! Uma palavrita nova! Apesar de gostar imenso de palavras novas, sim senhor, as regras que regem algumas é que… não senhor! Sandes e ténis são disso exemplo. «Tennis» nasce do latim «tenir» e percorre um longo caminho pelo antigo francês, anglo-normando e inglês médio até chegar aos dias de hoje; «sandwich» é uma criação de John Montagu, quarto duque de Sandwich, criatura esperta que preferia comer pão com coisas lá dentro do que sair da mesa do jogo.
No original, sandes e ténis terminam em sons sibilantes. Que se parecem com plural, mas que não são. Não são e não se deixem enganar. Em português, pelo que percebi, há novos singulares de palavras que nunca foram apenas plurais. Portanto, posso dizer, de acordo com a «vox populi», que o ‘téni’ do pé direito aperta mais os calos do que o ‘téni’ do pé esquerdo; não posso é dizer que aquela loja tem um ‘téni’ fantástico pois, que eu saiba, ainda se vendem aos pares; e quando me referir ao jogo em si, só posso dizer ténis se forem dois ou mais? Dúvidas terríveis…
Ah, e se há som que os meus lábios nunca irão proferir é ‘sande’, mesmo sendo aceite pelo dicionário, mesmo recheadinha do mais fino caviar. Eu como uma sanduíche, uma sandes, mas nunca uma ‘sande’.
E como lidamos com outras palavras que terminam em –s que não plural? ‘Lápi’? ‘Víru’? Um lápi de cor, pois claro, ou o terrível ‘víru’ da gripe, o ‘pire’ da chávena ou o ‘oási’ no deserto. E mais haverá. Nem é preciso pensar muito.
Safa. Ensandeceram?

Publicado no Açoriano Oriental de 24 Jan. 2010

18/01/2010

PSSST!

Às canadas!
Isto é que tem sido um Inverno! E apesar de (segundo informações privilegiadas que me foram facultadas directamente por especialistas em meteorologia) estatisticamente não fugir à média, a chuva tem caído em bátegas, o nevoeiro tem estado cerrado e o vento soprado com força. Com tanta força que já não sei se bastará apenas dizer ‘vento encanado’ ou se deveríamos pensar em outros tipos de vento — vento encanudado, vento encadeado, vento encanastrado… Acorrentado não é de certeza! Para quem não conheça a expressão, ‘vento encanado’ é intrigantemente sublime. Vento quê? «Vent’incanáde». Já todos nós passámos por esse tipo de situação, quando as palavras que nos são reais e próximas representam um enigma para outrem. E é aqui que preciso da vossa ajuda, pois não tenho a certeza da origem da expressão: encanado como estando dentro de canos? Encanado porque soprava forte por meio das nossas estreitas canadas? Encanado porque é como se fosse às canadas, antiga medida equivalente a 4 quartilhos (é capaz de esta referência a quartilho, por cá geralmente de vinho, complicar ainda mais o assunto)? Ou porque era como se fossem vergastadas com canas, logo canadas? Não faço ideia. Mas que é às canadas, meus caros, às canadas, lá isso é. E de tal maneira que as roupas no varal balançam que nem «arredouças».
Muitas outras expressões regionais do foro meteorológico poderiam ser aqui exploradas. Falham-me a memória e a sabedoria. Deixo um conselho: para fugir ao vento encanado, que por aí sopra de tantos quadrantes, fiquem em casa a deliciarem-se com uma «carnina» com «arrojinho» malandro. Boa «semanina»!

Publicado no Açoriano Oriental a 17 Jan 2010

16/01/2010

Contos a Rimar IV


Trilogia Medieval

III. Do Ponto de Vista da Dama

Se do terrível dragão já falámos

e o valente cavaleiro já retratámos

– ambos entrincheirados numa luta desigual –

só nos resta a bela dama medieval,

D. Inês de sua mui bela graça,

mulher de porte alto e olhos de garça,

dama de um castelo alcandorado

numa colina junto a um lindo prado,

objecto de graciosa paixão

(quantas vezes lhe pediram a mão!)

de reluzentes cavaleiros na sua mocidade.

Não é que tenha agora muita idade...

é, sim, uma determinada senhora

que da paciência fez penhora

para governar a sua torre de Babel

e os humores do seu D. Rangel.

Isto sem falar no tal dragão

que todos os dias fazia tradição

de pelejar com o seu amado

– das 9 às 11 da manhã, o seu fado

era correr, ansiosa, para as ameias,

o sangue batendo veloz nas veias,

e esperar pelo fim do enredo

que não era nenhum segredo

pois D. Rangel vitorioso voltava

e, caindo no cadeirão, suspirava:

“Quase o matei desta vez!”.

Revirava os olhos D. Inês,

cansada de tanta repetição.

Por isso, quando o dragão

farto da peleja, avançou

e o seu amor declarou,

a nossa dama, mulher audaz,

logo aproveitou para fazer a paz

e uma boa amizade começar:

“Que importa se ele não tem o ar

imposto pelos demais?”;

logo com questões tais

D. Rangel concordou

e do seu cadeirão fundo suspirou.

Que isto de se viver uns com os outros

requer cuidados doutos

e se uma mulher assim quer –

pois quem disse que não pode ter?


Maria das Mercês Pacheco

15/01/2010

Contos a Rimar III


Trilogia Medieval

II. Vida de Dragão


Mal o sol despontava
a dor de cabeça começava
sob a forma de uma visão
que corria em contramão
escavacando o milheiro.
Era outra vez o cavaleiro!
Já um dragão não pode dormir...
e tem de estar sempre a fingir
que é horrível e feroz,
mas de tréguas do seu algoz
nem sombra ou imitação.
Outro dia sensaborão!
Se a artrite lhe apoquentava
e a pele lhe escamava
ou as garras tinha a doer...
isso ninguém queria saber!
Já sem falar no seu hálito
que nem sequer por hábito
deitava o lume esperado
para fazer o terrível assado
dos cavaleiros valentes
que, de tão reluzentes,
ofuscavam como o sol
e tiniam como o si bemol.
E ele, que já nem contava
os séculos que acumulava
de pelejas e donzelas
(algumas, realmente, muito belas!),
não seria muito natural
também sofrer do tal mal
que faz bater o coração
por uma grande paixão?
Pois é, mas à dita D. Inês
nunca chegaria a vez
de declarar o seu amor!
“Pois se tenho o valor
de mui nobre réptil ser
(quase em extinção, vamos a ver!)
e de todos exterminar
com um lume de queimar,
porque ela não me liga?”
E um dia, farto da briga,
o dragão ao castelo assomou
e de rompante e fúria o tomou,
fez as pazes com a donzela
(realmente muito bela!)
da sua panela comeu,
e do seu odre bebeu.
E o acordo assim alcançado
nunca mais foi quebrado,
nem por D. Rangel que, do seu pomar,
se regozijava a descansar:
“Quero lá do dragão saber –
assim é que é viver!”

Maria das Mercês Pacheco


Segunda parte da Trilogia; os desenhos continuam a ser do Barradas.

14/01/2010

Contos a Rimar II


Trilogia Medieval

I. D. Rangel, Cavaleiro


“Que o dragão padeça
de eterna dor de cabeça!”
– exclamou D. Rangel
do alto do seu corcel.
A luta, renhida, durava há meses
e tantas foram as vezes
em que o cavaleiro, esgotado,
pensara em renegar o triste fado
de ter de defender a sua dama,
(dona de beleza de grande fama!),
e partir para terras de além-mar
onde plantaria um pomar
e viveria, feliz, vida de camponês.
Mas tal não lhe permitiria D. Inês.
O dragão atormentava o castelo
e era preciso acabá-lo a fio de cutelo.
Pois qualquer cavaleiro que se preze
aos rogos da sua dama sempre obedece
e resigna-se com o destino
de ser feito em picadinho
por um dragão irascível
– que nem sequer é comestível!
E D. Rangel sonhava com as suas pantufas
refúgio de todas as lufa-lufas,
sentado num grande cadeirão
a apreciar um bom serão.
Mas no castelo D. Inês bradava
e do alto das ameias comandava
a luta mais desigual
entre o homem e o animal,
a luta sem fim nem razão
que iniciou esta grande confusão
em que D. Rangel, na sua armadura apertado,
se via a cada minuto confrontado
com a inglória sorte
de ter a terrível morte
do camarão que assa
debaixo de infernal brasa,
e ficar todo queimadinho
como o presunto torriscadinho
com que D. Inês se deliciava
enquanto ele por ela lutava.
E ao ver que a sua sorte
não rimou com a palavra morte
D. Rangel nem se queria convencer!
Mas isto é para mais à frente ler...

Maria das Mercês Pacheco


Estes contos começaram a ser escritos há uns anos, depois esquecidos e finalmente retomados. Publicação, nada. Não sou famosa, de acordo com as editoras sondadas. Ou então os contos não têm qualidade e ponto final....

Os desenhos são do meu amigo Carlos Barradas.

11/01/2010

PSSST!

Onde? Onde?
Parece que há um jogo do tesouro no ar, mas não sei se o prémio valerá a pena: dizem que é uma agenda! Ora, agendas pode uma pessoa comprar na papelaria ou, simpaticamente, receber como brinde (com a crise, se calhar estes já desceram de patamar…). Mas como foram os média nacionais a relatar que havia uma agenda escondida, eu acredito. Escondida onde, pergunto agora eu? Podem dar umas dicas, levantar um pouco a ponta da capa… da agenda?
A expressão “agenda escondida” é uma tradução literal do inglês «hidden agenda» mas com uma ligeira diferença: é que em inglês agenda é uma organização, um programa, uma lista de eventos ou projectos; em português, agenda significa um livro de registo. A coisa recentemente evoluiu e, no nosso torrãozinho luso, “agenda” já significa também uma lista de assuntos. Mas a verdade é que se disser a um falante da língua inglesa a palavra “agenda” o dito nunca vai visualizar um objecto; nós sim, podemos logo imaginar o bendito livro com uma linda capa com logótipo a relevo e recheio de calendário, mapas e tabela de conversões. Portanto, em Portugal, uma agenda escondida é das duas, uma: segundas intenções não anunciadas ou um objecto parecido com um livro disfarçadamente arrumado em lugar recôndito. Que é muito mais engraçado, convenhamos, e permite andarmos a perguntar uns aos outros coisas como “onde, onde?” ou “já encontraram?”.
Para terminar, mesmo com o turismo em baixa, nunca diga a um anglo-saxónico que tem de vestir um «smoking» para ir aos bailes: ele não é um toucinho fumado e vai precisar é de um «dinner jacket» ou «tuxedo». E se esta coluna para si é um «exit» eu amuo e bato com a porta à saída.

Publicado no Açoriano Oriental a 10 Jan. 2010

03/01/2010

PSSST!

Prémios do Ano Passado

Uma pessoa até tenta remar contra a maré, mas a maré é de balanço do ano que findou e nem vale a pena protestar. Então, alinho, transformo isso numa gala de entrega de prémios intitulada Coisas que Preferiria Nunca Ter Sabido (subdividida por Nunca Ter Ouvido, Nunca Ter Visto, Nunca Ter Sido Incomodada Com O Assunto) e atribuo ainda o magnífico troféu Nunca Acreditaria. Aqui vai:

— Que o Cristiano Ronaldo tenha caspa (francamente, é um pormenor da vida íntima do rapaz que dispenso);

— Que ingredientes estranhos existam nos cremes de beleza, pois basta a menção de ácido hialurónico, extracto de caviar, pó de pérola ou lascas de diamante para entrar num universo tipo Harry Potter (não estou preparada, a varinha de condão que encomendei ficou retida na alfândega);

— Que alguém pudesse ter falhado, apesar da curta distância, o arremesso de sapatos à cabeça de uma figura muito conhecida;

— Que, nos canais televisivos nacionais, coloquem legendas nas intervenções do povo açoriano mas nunca (ou 0,01% das vezes) nas do povo madeirense, transmontano ou minhoto que, como se sabe, têm pronúncias escorreitas e altamente fáceis de entender;

— Que os livros de etiqueta, numa época em que se fala da falta de pudor, de valores, de ética, sejam “best-sellers”;

— Que nunca expliquem porque os aviões se atrasam imenso quando lá fora está um tempo esplêndido;

— E que as verdadeiras notícias não ocupem mais de 15 minutos e quase todo o resto do tempo seja ocupado com politiquices, enredos e autopromoção.

Solicito o vosso apoio, ajudem-me a atribuir os prémios, não deixem esta iniciativa esmorecer e… bom ano!

Publicado no Açoriano Oriental de 3 Jan. 2010