14/06/2010

PSSST!


Cantigas de amigo
Se calhar é porque somos possessivos. E temos muito brio naquilo que temos. É nosso e ponto final.
Se temos brio no que fazemos, já será outra cantilena…
Uma expressão que ouço muito (e talvez use) debita, tal qual, o seguinte: «tenho uma amiga minha» ou «tenho um amigo meu» (não sou sexista). Ter amigos é bom. Quer dizer, ter não temos. Não no sentido de posse. Como se tem pares de sapatos, cêntimos no bolso ou, até, vuvuzelas. Mas temos, no sentido de podermos contar mutuamente uns com os outros… e de podermos contá-los — se for no Hi5 ou no Facebook, dispensa-se qualquer capacidade matemática, aquilo faz tudo sozinho. Portanto, fica então assente que temos amigos. ‘Tenho um amigo’ ou ‘uma amiga minha’ já será suficiente. Se os temos, porque vamos ainda acrescentar que são nossos? Na mesma oração? Tão pertinho assim? Eu tenho = é meu. Será por uma questão de boa vizinhança, para que não tenhamos dúvidas (também se podem ter dúvidas, portanto nem tudo o que se tem é material ou faz barulho ensurdecedor)? É porque somos possessivos? Ou porque somos redundantes?!?
A redundância é um mecanismo muito traiçoeiro. Faz-nos ‘subir para cima’ e ‘descer para baixo’ vezes sem conta. Ou criar ‘elos de ligação’ complicados. Da redundância para a contradição é um pulinho. O que dizer da fantástica expressão ‘estar muito mal enganado’? Dizer-se que fulana foi ‘bem enganada’ (sorrisito matreiro) é perfeitamente aceitável. Mas ser-se enganado e estar-se enganado são circunstâncias que podem, ou não, coincidir. Se uma pessoa está ‘muito mal enganada’, caiu em redundância ou está completamente certa. Desde que não caia no esquecimento!


Publicado no Açoriano Oriental a 13 Junho 2010

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei. Mas cara prima no facebook à amigos e amigos Capice? ;)

Maria das Mercês disse...

Capice totalmente! :)

Mário Lourenço disse...

"Há tanta grandeza no arrependimento, que poucos sabem apreciá-la no seu justo valor." (Filipe Fabre)