21/06/2010

PSSST!

‘Invencionismos’
Se não fossem as palavras novas, o pessoal ainda comunicaria por grunhidos (bem, muitas pessoas ainda grunhem, ou dão respostas monossilábicas, para se ser mais chique). Donde se conclui que palavras novas — ou neologismos — nada temos contra. Desde que, claro, venham suprir uma necessidade, preencher um hiato, enriquecer o léxico.
Depois há as outras. As desnecessárias. Ou as hilariantes. Muitas vezes coincidem.
Uma das minhas preferidas foi “devagarmente”, ouvida, se não me engano, na televisão. Um advérbio ao quadrado, portanto, pois ‘devagar’ já é um advérbio (cuja nobre função é, em traços largos, modificar os verbos, os adjectivos e outros advérbios) que aqui sofre o acréscimo do –mente, o sufixo natural de muitos advérbios de modo. Desnecessariamente, claramente. Terá sido por uma espécie de contágio do ‘lentamente’? Ele fala devagar + ele fala lentamente = ele fala “devagarmente”. Assim não restam dúvidas sobre a lentidão da criatura. Ou será que, para além de ser uma coisa vagarosa, era também uma coisa vaga? Vagamente?
“Inventamento” foi mais uma das outras. E complicada. Porque não sabemos se vem de ‘inventar’ ou se vem de ‘inventariar’. Quer dizer, vem de nenhuma, pois a ‘inventar’ corresponde o substantivo ‘invenção’, e a ‘inventariar’ correspondem ‘inventariação’ ou ‘inventário’. Se quem tal inventou é um inventor ou um inventariante, também permanece um mistério.
Gosto de palavras novas. Se assim não fosse, como designaríamos aquela corneta comprida, com som estrondosamente forte, popular entre os adeptos do futebol na África do Sul? Corneta comprida com som estrondosamente forte? Ou vuvuzela? Hein? O quê? Acho que fiquei surda….

Publicado no Açoriano Oriental a 20 Junho 2010

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