01/02/2009

PSSST!


Disto e daquilo
Quem vive num meio mais urbano esquece, por força do malfadado stress (também pode ser stresse; e, à brasileira, é mais estresse), as vivências rurais do passado. Por isso, quando me disseram que um senhor de idade se referia ao arco-íris como “arco-da-vela”, fui pesquisar. E o friozinho bom que aí anda (com aguaceiros, que é para não defraudar quem acredita que nos Açores chove todos os dias!) ainda me inspirou mais. Como sinónimo de arco-íris, “arco-da-vela” não existe; os que existem, e largamente documentados, são arco-da-chuva, arco-celeste, arco-da-aliança e arco-da-velha (não sei o que o acordo ortográfico vai fazer a estes hífenes…). As três últimas expressões referem-se a um pacto entre Deus e Noé, pacto este mencionado na Bíblia, no Antigo Testamento (daí as palavras velha, celeste e aliança); arco-da-velha pode, também, e popularmente, ter outras explicações: a sua curvatura lembra a curva que as costas ganham com a idade (nalguns casos, até há-de ser menos a idade e mais a sabujice).
Parênteses à parte (e já foram muitos), o que mais me atraiu foi o facto de o tempo tornear assim as palavras — o tempo, o isolamento, a oralidade e a ruralidade destas ilhas. Faça uma experiência: peça a alguém para dizer o nome daquele objecto onde se podem colocar moedas com o fito de poupar e que tem mil e uma formas, desde uma caixa até um porquinho. Como é que se chama? Sim… diga? “Melhalheiro” é o que você vai ouvir a maior parte das vezes; na verdade, é mealheiro que se diz e escreve, e vem de mealha (migalha; antiga moeda, igual a meio ceitil), que por sua vez deu o verbo amealhar. Um verdadeiro arcaísmo, não tarda muito!


Publicado no Açoriano Oriental a 1 Fev 09

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