29/03/2009

PSSST!


Sua Alteza Real
Já não é a primeira vez que a questão me intriga. Até pela linguagem que usa. Mas no outro dia, num programa de televisão, voltei a deparar-me com o assunto: o que pode levar alguém a autodefinir-se principal e quase exclusivamente pelo clube de futebol do qual é adepto/a? Para conhecer o outro, os seus valores, as suas preferências, bastará saber que pertence ao clube (não refiro nomes pelas razões óbvias, tenho amor à pele) X, Y ou Z? Em que acredita — na liberdade, na justiça, na igualdade? Ah, eu sou é do X. O que acha da presente situação mundial? O meu coração é do clube Z. O que o/a comove? O golo marcado pelo jogador do Y. Será uma crise de identidade universal que vivemos?
Sei que o futebol é o desporto-rei; sei que movimenta milhões (e não falo apenas de pessoas…); e sei que os clubes se podem escolher pelas mais diversas razões — o meu pai já era, para ser o contrário de lá de casa (hereditariedade… ou a sua negação), o mesmo que os amigos, é da terra onde nasci, gosto mais daquela cor, porque sim!
Mas se (e atenção, este SE não é de dúvida) o futebol é o desporto-rei, qual será o desporto-rainha? Ou o desporto-imperador? Desporto-príncipe-herdeiro? E se até tem direito a vocabulário e aforismos próprios (… alguns de risível e infeliz memória), não seria boa ideia então criar uma lista oficial, passível de votação, de desportos-nobres e sua hierarquia? Não faz sentido haver uma ditadura tal, ainda por cima de sangue real, coroada e governante, sem haver consorte, herdeiros ou nobre séquito.
Acham que posso sair à rua depois de hoje?


Publicado no Açoriano Oriental a 29 Março 09

22/03/2009

PSSST!


Esta-de-a-dor!
Esta semana acabei por aterrar nesta crónica por meio de uma sequência de imagens e pensamentos, no mínimo, tortuosa! E acabei por aterrar, como dizia, na palavra ESTADO, suas derivações e complicações.
Todos nós sabemos que o estado da educação em Portugal não está… enfim… em estado de graça. Não vou opinar, apoucar ou engrandecer. Mas não posso deixar de dizer que fazer estadeação do assunto não é boa ideia! Tudo isto porque ouvi, na rádio, um anúncio que promete a acção dos seus profissionais “especializados em tempo recorde”. Daí, saltei para a velha questão da colocação dos vários elementos na frase (neste caso, a expressão “em tempo recorde” deveria estar junto do verbo principal e não dos “profissionais especializados”, mas também sei que não é uma construção sintáctica simples de solucionar); depois, dei um pulo para o conceito de formação ou educação (sendo que a educação/boas maneiras também é um tema interessante, principalmente na estrada); a seguir lembrei-me da contenda estada-estadia, uma contenda provavelmente fútil pois no dicionário uma é sinónimo da outra, no sentido de permanência (acrescento que estadia está mais próxima de prazo para cargas e descargas, ou de tempo de permanência de um barco no porto; e estada, de demora ou estância); e finalmente cheguei a estado, seja por causa do estado do Estado ou do estadão do estado de espírito em que vivemos, que raia o estado de choque por via do estado de sítio em que a sociedade se transformou, fazendo apagar para sempre um certo estado de inocência. Nem vos digo do miserável estado em que fiquei depois disto tudo!


Publicado no Açoriano Oriental a 22 Mar 09

20/03/2009

Untimely death


A morte de Natasha Richardson impressionou-me imenso. Comoveu-me, revoltou-me, mesmo, como revoltam as mortes que parecem vir antes do tempo, que levam quem ainda tem tanto para viver e para dar, quem tem filhos pequenos. Por ser quase da minha idade, claro, que a morte dos outros impressiona quase sempre por nos fazer lembrar a nossa própria mortalidade. Mais do que uma homenagem a Natasha, fica aqui uma homenagem a uma família de referência no teatro britânico e no cinema internacional.

15/03/2009

PSSST!


A quem de direito!
A quem me enviou uma carta com sugestões, os meus agradecimentos. Aceito cartas, e-mails e palavras ao vivo. Esse “quem” levantou uma questão interessante: a da permutabilidade dos pronomes QUE e QUEM. Sim senhor, desde que o ser em causa seja humano e desde que conjugue bem o verbo, permute à vontade!
Numa frase como “Fui eu que fiz isso”, o QUE é um pronome relativo que faz a ponte entre EU e o resto da frase; em “Fui eu quem fez isso”, o QUEM está em vez de A PESSOA QUE; portanto, no primeiro caso, o verbo conjuga-se na 1ª pessoa do singular; no outro, na 3ª pessoa; e dizer “Fui em quem fiz isso” está mesmo errado, para além de dar a impressão de que há ali um conflitozinho de personalidade… O uso de QUEM neste tipo de frase serve para enfatizar o lado humano, apenas isso. Bem, a verdade é que, nos dias que correm, nunca será demasiado realçar o lado humano. O lado inteligível. Aquele que, por exemplo, nos impede de saltar ao pescoço de um funcionário público — mais propriamente, ao pescoço do sistema — após 40 minutos de espera para renovar a carta de condução (porque já se atingiu a fatalidade dos 50 anos!) e se descobre que vamos ter de conduzir mais de 3 meses com uma guia (portanto, ao invés de encartado, fica-se “enguiado”) não aceite no resto da Europa (e passa-se de condutor europeu a “enguiador” lusitano). Portugal ou nada. Pois. Para dizer a verdade, já não sei onde é o resto da Europa. Acho que será naquele pedaço de território que se exclui quando se refere o resto da Europa. Para não me acusarem de ter uma mente retorcida, só pergunto: como se refere o resto da Europa a nós, Portugal?


Publicado no Açoriano Oriental a 15 Mar 09

13/03/2009

Contos a Rimar I


Os Espinhos da Vida

Se nascera no lado errado
tal não era pecado,
mas uma grande complicação
que lhe exigia muita atenção
e um pouco de experiência.
Pois não há alguma ciência
para se ser um bicho espinhudo
de focinho bem barbudo
e perninhas tão lentas?
Para quem passa nos noventas
não há ouriço-cacheiro
que resista ao nevoeiro
ou ao asfalto molhado:
– “Só quero ir para o outro lado!
Porque se aí a comida
é mais apetecida,
só tenho de atravessar
e as pernas acelerar
como se fosse um torpedo.
E não há que ter medo!”.
Lá vai, valente e verdadeiro,
o nosso ouriço-cacheiro
ao outro lado colher
as bagas para comer.
Até que um dia... espanto,
conhece um ser de encanto
e por o seu amor se derrete,
toda a sua paixão promete
sem do outro lado se lembrar.
Para quê lá voltar?
Assim viveram felizes,
tiveram muitos petizes,
os anos-cacheiros passaram
e os filhotes bem medraram.
Mas a curiosidade feminina
é coisa que desatina
pois se neste lado se permanece
do outro nada se conhece...
E não há força como a de uma mulher
(aqui, não metam a colher!)
para o mundo de pernas ao ar virar
e a rotina assim quebrar.
E lá foram de armas e bagagens
fazer muitas viagens
entre os dois lados do caminho.
Por isso, condutor, vai devagarinho,
não esmagues contra o chão,
mesmo que do tamanho de um botão,
quem no teu caminho se atravessa.
Pode ser que sejam desta peça!

Maria das Mercês Pacheco

08/03/2009


Mergulho a 500 metros sem ar
Não admira que o país ande sufocado. Diria mais, submergido. Afogado. Asfixiado. Enfim, afundado.
E de quem é a culpa? Dos pontos de vista. De acordo com os muitos textos que consultei (e são tantos os exemplos que esgotaria o presente espaço!), estamos «sob» infinitos pontos de vista: ele é “sob o ponto de vista pedagógico”, e é “sob o ponto de vista do conteúdo”… “sob o ponto de vista funcional”… “sob o ponto de vista arquitectónico”…
Que um ponto de vista pode ser, conforme o emissor, algo mais do que uma opinião e tornar-se uma ordem ou um dogma, eu sei que é possível. Olarila. Mas que se transforme num jugo tão pesado que andemos todos de rastos, é que já é demasiado. Agora, pergunto o óbvio: e o que está sob o “sob o ponto de vista”? O que lá se esconde? Outro ponto de vista? A verdade? Absolutamente nada? Musgo? E como se determina o peso do ponto de vista? Conforme a força do «sob»? Haverá um ponto de alavanca? Enfim, questões filosóficas que deixo para quem de direito. O que sei é que Portugal é um país tão prenhe de pontos de vista que o resultado só pode ser desastroso.
Proponho uma solução: deixemo-nos de profundidades, esqueçamos o que se esconde nas funduras e passemos a falar DO PONTO DE VISTA ou NO PONTO DE VISTA, conforme a visão periférica de cada um.
E se não tiver vista, seja de que ponto for, pode pedir um empréstimo a quem realmente tem e até impressionar os outros… ah, mas esperem, isso já fazemos!

Publicado no Açoriano Oriental a 8 Março 09




03/03/2009

Around the World in 80 Books


O blogue da Penguin lançou, no iníco de Janeiro, uma acção engraçadíssima, intitulada Around the World in 80 Books. Para não estar aqui a maçar-vos com os detalhes, digo apenas que já vai na quarta etapa e que Inglaterra, França, Suíça e Itália já foram visitadas, sendo os livros correspondentes a cada um destes países os seguintes: Great Expectations, de Charles Dickens; Gemma Bovery, de Posy Simmonds, e Le Grand Meaulnes, de Alain Fournier; Hotel du Lac, de Anita Brookner; e I, Claudius, de Robert Graves.

Li, também, que o autor desta iniciativa, chamado Sam the Copywriter, procurava inspiração para visitar Portugal, tendo avançado a hipótese de seguir Ensaio sobre a Cegueira, hipótese descartada logo depois. Vamos dar sugestões? É só clicar no link do início do texto.

01/03/2009

PSSST!


Um país de obesos
Segundo as estatísticas (que são muito traiçoeiras!), o nosso país apresenta assustadoras taxas de obesidade: uma das mais altas da Europa nas crianças, 13% nos homens e 15% nas mulheres.
É um problema, com certeza. Mas devo dizer que os audiovisuais não ajudam. Principalmente os áudio. Estranho? Hum… Preste atenção à publicidade e diga-me se é ou não é constantemente assediado/a para comer. Aliás, se pensar mais um pouco, é a forma imperativa que é usada, na segunda pessoa do singular: uma espécie de “tu, come!”. E quando é que tal acontece? Ainda não adivinhou? Então diga-me como lê o endereço electrónico inscrito no topo desta crónica (vai aqui uma pseudo-transcrição-fonética): “pçtecrónicaarrobaguêmeilpontocome”. É assim que lê? E depois admiram-se de sermos um país de obesos. Uma vez que já está aportuguesado, o domínio deve ser lido “pontocom” e não “pontocome”. Assim escusa de estar sempre a pensar em comida!
Se quer dizer “come”, então diga tudo em inglês: “somethingatsomemaildotcom”.
“Com” significa “comercial” e é um domínio de topo de uso genérico. Muitos outros existem, conforme o organismo (.org, .aero, .gov) ou o país (.pt, .uk, .es, .bs, sendo este último das Bahamas, um destino muito em voga…).
Apesar das possíveis contradições, isto é um bocado como dizer o número de telefone da sua empresa num anúncio de rádio: ou é de fácil memória — tipo 007 — ou corre o risco de ser logo esquecido, com o acréscimo de poder causar acidentes, pela tentativa de se encontrar um lápis ou de se escrever no telemóvel.
Faça dieta, diga COM e não COME, e ateparaasemanaarrobaimensomailpontocom!

Publicado no Açoriano Oriental a 1 Mar 09