22/02/2009

PSSST!


Pode confiar!
Já pensaram que todos os dias, todos os dias da nossa vida, temos de confiar? Confiar que os produtos alimentares que compramos estão em bom estado (e não têm bicharocos nocivos, daqueles que não se vêem…); confiar que os “media” estão a dizer a verdade (ou o mais próximo possível); confiar que a cola dos selos vai aderir aos envelopes até a carta chegar ao destinatário; confiar que a queda do hífen em “há-de” não vai fazer do «hades» a regra (acho que estou a sofrer de memória regressiva e lembrar-me de outros PSSST! que já escrevi); ou confiar que o meu e-mail vai chegar a horas ao jornal. Enfim, confiar em inúmeras pessoas, coisas, processos, empresas e instituições. Eu tenho de confiar que me lêem. E os leitores têm de confiar que estas linhas vão ter um fim minimamente interessante!
Não sei por que carga de água me lembrei disto esta semana. Porventura porque a palavra confiança está cada vez menos confiante — desconfiada que anda dos usos que lhe dão; e menos confiável, pois de tão usada que é, desgastou-se.
Muitas são as expressões onde a palavra surge: ter confiança é sentir segurança em si próprio ou em outrem, ter crédito (desde que o “spread” não dispare!); dar confiança é permitir familiaridades; ganhar confiança significa sentir firmeza onde antes havia incerteza; ir à confiança é ter a certeza; abuso de confiança é tal qual como a expressão diz e exemplos não faltam; e também pode ser sinónimo de ousadia — olhem lá a confiança de fulano!
Perante isto tudo, vão lá à confiança gozar o Entrudo. E tenham confiança em que, quarta-feira que vem, os «Guronsan» já surtiram efeito.


Publicado no Açoriano Oriental a 22 de Fev 09

18/02/2009

"Azores" de John Updike, na tradução de Jorge de Sena

Açores
Por John Updike

Tradução de Jorge de Sena

Grandes navios verdes
eis que navegam
ancorados, para sempre;
sob as águas

enormes raízes de lava
prendem-nos firmes
a meio do atlântico
ao passado.

Os turistas, pasmando
do convés,
proclamam aos guinchos lindas
as encostas malhadas

de casinhas
(confetti) e
doces losangos
de chocolate (terra).

Maravilham-se com
os campos graciosos
e os socalcos
feitos à mão para conter

os modestos frutos
das vinhas e das árvores
importadas pelos
portugueses:

paisagem rural
vindo à deriva
de há séculos;
a distância

amplia-se.
O navio singra.
Outra vez a constante
música alimenta

um vazio à popa,
os Açores sumidos.
O vácuo atrás e o vácuo
à frente são o mesmo.


Tal como prometido, aqui vai a tradução; obrigada à Katharine por me ter recordado esta promessa. Quem quiser ler o original que clique aqui!

15/02/2009

PSSST!

Imediatamente, se faz favor!
Ser-se mediático — e suas vantagens e inconvenientes — foi amplamente debatido na SIC esta semana. Cada um retira as conclusões que quiser; não é isso que me traz aqui hoje.
Mediático é um adjectivo que nasce do conceito “media” (que, em Portugal, deve ser lido com um «e» aberto, ao invés do Brasil, que privilegia a leitura e grafia mais próximas do inglês “mass media”: ou seja, mídia). “Media” é uma palavra que nasce no Latim, significa meio e já está no plural, sendo “medium” o singular (e sem acento, para não se confundir com médium, o intermediário entre os vivos e as almas do outro mundo). De “media” surge mediático e, por arrasto, mediatismo — este último não é reconhecido pelos dicionários que consultei.
Se se deve usar a palavra “media” ou a expressão meios de comunicação social, também deixo ao vosso critério. Mas pensem um pouco: ser-se mediático é ser-se imediato? Supostamente não, pois é-se mediático porque se usa ou se é usado por um meio de comunicação, logo, um intermediário; mas tem-se exposição imediata, mesmo que bem ou mal mediatizada. Portanto, é-se mediático de uma forma mediata que resulta num efeito imediato. E ser-se mediático é ser-se mediano? Se calhar, pois a média que eu daria por ter de suportar a pelagem das pernas de fulano, a roupa interior de sicrana ou as namoradas de beltrano seria muito baixa; tão baixa quanto a que eu daria aos “media” que mediatizam o português com erros; ou aos governantes que, de tão imediatos que querem ser, se mediatizam por dá cá aquela palha. Quererá isto dizer que somos um país médio? Não sei, desde que não sejamos totalmente imediatos e muito menos instantâneos… como a sopa de pacote.

Publicado no Açoriano Oriental a 15 Fev 09

10/02/2009

Jornalismo isento?


Na entrevista de ontem, na SIC, conduzida por Mário Crespo, Maria José Morgado disse 2 ou 3 coisas sobre comunicação, social ou não; quanto a mim, foram extremamente importantes, lúcidas e sensatas. Uma espécie de análise do estado da nação e o vislumbre de uma filosofia de vida. O jornalista Mário Crespo, na última observação, cortou cerce.

Ficam aqui algumas citações (porque rabiscadas à pressa e no momento, é natural que enfermam de pequenas falhas).

"Não se pode estar a retirar da frase o efeito mediático que ela não tem."

"Não vale a pena estarmos aqui a fazer malabarismos com uma frase (...) seria ridículo. Não me ponha nessa figura, por favor."

"Se resistirmos ao que mediaticamente é irresistível, talvez consigamos alcançar uma comunicação social mais inteligente e mais capaz de reflectir sobre os acontecimentos."

Foi nesta tirada que Mário Crespo lhe cortou a fala. Pudera.

08/02/2009



Do contra
Não levem a mal, mas hoje sinto-me do contra. Não me apetece ouvir falar da crise, do Freeport, do Magalhães ou das eleições. Nada. Quero uma folga. Porque isso tudo tem, em mim, um efeito contraprodu…contraproce…contrapro…qualquercoisa…ente!
Contraproducente é muitas vezes transformado, por artes da poderosa magia “linguístico-entaramelada” (aconselho vivamente J.K. Rowling a explorar o tema!), em “contraprocedente”. Que não existe. Até poderia, pois se há contraprograma, contrapropaganda, contraprovar ou contraprestação, não custava nada acrescentar ao dicionário o nosso «contraproceder» e derivados. De qualquer forma, as pessoas já se encarregaram do assunto. Ou contra-encarregaram.
Contraproducente quer dizer que produz o efeito contrário, ou que demonstra o contrário, pendendo, na balança das vantagens, para o negativo. Todos os outros contras de que falei seguem, sensivelmente, a mesma lógica; contraprovar também significa verificar as emendas da primeira prova tipográfica; e contraprestação nada tem a ver com uma boa contraproposta do seu banco para lhe baixar a prestação mensal — é, sim, um termo legal, relativo ao cumprimento de deveres por uma parte em relação a outra. E quando estiver mesmo do contra, diga que está contra-alisado (que é o vento que sopra ao contrário dos ventos alísios).
Se vai ser sempre assim tão difícil dizer palavras com mais de 4 sílabas, resolva o problema de uma vez por todas: não diga. Ou então, comece já a praticar, lendo em voz alta as seguintes sugestões: calhamaçada, proparoxítona, octingentésimo, psamofítico… atabalhoamento!


Publicado no Açoriano Oriental a 8 Fev 09

07/02/2009

Um pouco de egocentrismo...


No dia 7 de Fevereiro nasceram...

1478 - Thomas More, advogado, político e santo da Igreja Católica
1812 - Charles Dickens, escritor inglês
1870 - Alfred Adler, psicólogo austríaco
1885 -
Sinclair Lewis, escritor norte-americano
1927 - Juliette Greco, actriz e cantora francesa
1960 - James Spader, actor americano
1963 - Maria das Mercês Pacheco, autora deste blogue

E como se tudo isto não bastasse para distinguir o dia de hoje, vejam lá a importância do número 7!

05/02/2009

Amizade



A amizade é uma alma com dois corpos. (Aristóteles)

01/02/2009

PSSST!


Disto e daquilo
Quem vive num meio mais urbano esquece, por força do malfadado stress (também pode ser stresse; e, à brasileira, é mais estresse), as vivências rurais do passado. Por isso, quando me disseram que um senhor de idade se referia ao arco-íris como “arco-da-vela”, fui pesquisar. E o friozinho bom que aí anda (com aguaceiros, que é para não defraudar quem acredita que nos Açores chove todos os dias!) ainda me inspirou mais. Como sinónimo de arco-íris, “arco-da-vela” não existe; os que existem, e largamente documentados, são arco-da-chuva, arco-celeste, arco-da-aliança e arco-da-velha (não sei o que o acordo ortográfico vai fazer a estes hífenes…). As três últimas expressões referem-se a um pacto entre Deus e Noé, pacto este mencionado na Bíblia, no Antigo Testamento (daí as palavras velha, celeste e aliança); arco-da-velha pode, também, e popularmente, ter outras explicações: a sua curvatura lembra a curva que as costas ganham com a idade (nalguns casos, até há-de ser menos a idade e mais a sabujice).
Parênteses à parte (e já foram muitos), o que mais me atraiu foi o facto de o tempo tornear assim as palavras — o tempo, o isolamento, a oralidade e a ruralidade destas ilhas. Faça uma experiência: peça a alguém para dizer o nome daquele objecto onde se podem colocar moedas com o fito de poupar e que tem mil e uma formas, desde uma caixa até um porquinho. Como é que se chama? Sim… diga? “Melhalheiro” é o que você vai ouvir a maior parte das vezes; na verdade, é mealheiro que se diz e escreve, e vem de mealha (migalha; antiga moeda, igual a meio ceitil), que por sua vez deu o verbo amealhar. Um verdadeiro arcaísmo, não tarda muito!


Publicado no Açoriano Oriental a 1 Fev 09