28/02/2010

PSSST!

Falta de ar

Quer emagrecer? Quer muito? Sim? Então expire essas banhinhas tão incómodas e fica o assunto resolvido num ápice. Exacto — expire, mas tenha o cuidado de não inspirar, podem as ditas regressar…

É que nem de propósito! Ainda há duas semanas se falou no assunto, mas do ponto de vista da confusão entre ‘es’ e ‘ex’ (cujo som se assemelha a ‘eis’, lembram-se?) no início de algumas palavras. Pelos vistos a coisa não se fica por aí, pois à balbúrdia também se podem acrescentar algumas palavras iniciadas por ‘as’: como aspirar. Que tem um som muito semelhante ao de expirar, nisso tenho de dar a mão à palmatória. E provavelmente (apesar de isso me parecer verdadeiramente extraordinário) ao de inspirar.

Não deixem de expirar e inspirar, por favor. Ar para fora, ar para dentro. Creio que não há dúvida de quão indispensáveis essas acções são… mesmo quando não se aplicam apenas à respiração! Se não se preocupa com o que inspira, dê atenção ao que o inspira — a sua inspiração pode ser tão importante quanto o ar que respira, mesmo sem data marcada de validade ou expiração.

Quanto a aspirar, tudo depende do que se aspira; ou ao que se aspira. Portanto, se for retirar as tais banhinhas em demasia para ficar magríssimo (ou macérrimo, que é muito mais chique e indicado para quem realmente se preocupa com a imagem), vai fazer uma lipoaspiração. ‘As’. O método é da sua escolha. Se a sua preocupação é a limpeza doméstica, também pode aspirar, entre outras tarefas igualmente exultantes. Mas não se fique por aí, aspire a mais, aspire a melhor, aspire a maior! Dê largas às suas aspirações! E inspire-se. Nunca se sabe que tipo de ar pode passar a respirar.

Publicado no Açoriano Oriental a 28 Fev. 2010

22/02/2010

PSSST!

(contra)diz-se…
Estaremos a viver uma nova era da nossa civilização? Os acordos (os do ‘ô’ fechado…) são cada vez mais difíceis, as opiniões mais contrárias e as notícias mais contraditórias. Será esta a verdadeira era do ‘contra’? E ser-se do contra, será ser-se a favor de quê?
Na legenda de uma notícia, na televisão, surgia há tempos a palavra ‘contrafeito’, do verbo contrafazer. Lembrei-me logo do outro ‘contrafeito’, o de contrariado. Será que um contagiou o outro? Se contrafeito significa falsificado, mas também constrangido ou forçado, quer dizer que uma coisa falsificada é falsificada a contragosto? Que quem pratica a contrafacção, fá-lo contrafeito, mas mesmo assim fá-lo porque a vida está difícil e há que pagar contas? Não imagino que seja o consumidor que, contrafeito, compra um artigo de contrafacção, pois se tivesse de pagar o original não compraria. Bem, se calhar o maior contra é não haver orçamento para comprar o apenas-feito. Contra-senso.
Seguindo o labirinto da polissemia, descobri que ‘contrafeito’ também pode ser um substantivo ali da área da construção civil (uma viga que suaviza um telhado inclinado, basicamente), trabalhos que ignoro pois todos os meus castelos são de nuvens; ‘contrafazer’ não se limita a ‘imitar’ ou ‘falsificar’, sobe de tom e quase grita quando atinge o ‘reprimir-se’ ou ‘violentar-se’; e que ‘contras’ há muitos e muito curiosos!
O facto é que isto de ser-se do contra pode levar a várias interrogações. Por exemplo: se as opiniões forem todas contrárias umas às outras, anular-se-ão? Provavelmente, por mais contranitência que haja.

Publicado no Açoriano Oriental a 21 Fev. 10

15/02/2010

EX
Que fazer hoje, Dia de Namorados? Sugestões íntimas à parte, podem os apaixonados ir a um “expectáculo”. Que deve ser assim uma espécie de espectáculo externo… o externo exterior, não o do esterno interior. Ou, então, um evento tão, tão extraordinário, que merece o X de espectacular que é!
A verdade é que o X também não facilita: o som tanto pode confundir-se com um CH, como parecer-se com um S ou fazer-se passar por um Z. Sem falar na possibilidade da letra ser também um 10, o símbolo da incógnita matemática ou indicar o local do tesouro. Ora, que de tanta diversidade se chegue ao exagero de se escrever “expectáculo”, bem, só se for como partida de Carnaval. Um verdadeiro assalto à língua portuguesa, só que sem comes e bebes, e com mascarilha à Zorro.
A diferença é simples: se a palavra começar com o som «eis» é porque leva o X. Como ‘explicar’, ‘extravagante’ ou ‘externo’. Já ‘esterno’, ‘especial’, ‘estranho’ não soam a «eis» nem se escrevem ‘ex’ (como em ex-marido, ou seja, aquele que deixa de ser o que era, perdoem-me os namorados!). Basta fazerem o teste e lerem as palavras em voz alta, que ninguém há-de levar a mal, se calhar nem ouvem. Ou escutam. Acrescento que escutar também não é com X, embora encaixe perfeitamente na categoria do extraordinário (com ponto de exclamação!). Mas escutar não é ouvir, apesar de serem verbos aparentemente intermutáveis, mas não exclusivos um do outro. Quem ouve escutará? E quem escuta, ouve-se… ou ficará a sofrer de alguma surdez temporária? Desde que uma pessoa consiga expressar-se, isso é que conta, claro!
Publicado no Açoriano Oriental a 14 Fev. 2010

08/02/2010

PSSST!

Uma caixa com coisas lá dentro
Tudo isto por causa do mar.
Passo a explicar: ao rever uns textos, fiquei na dúvida se a palavra em causa levava hífen ou não… isto sem falar na dúvida se levaria o tal hífen na versão pré- ou pós-acordo ortográfico, apenas na primeira, se nunca levou de todo, ou se esta confusão já seria sintoma — tão usual quanto espirros no Inverno — do novo despotismo linguístico. Sem mais devaneios: fui parar aos substantivos (ou nomes, como sói agora dizer-se) colectivos; ou seja, é como uma só caixa onde posso arrumar muitas coisas da mesma espécie. Independentemente do tamanho, claro. Bem, acho que vou ter de rever esta última frase, pois se o tamanho e a quantidade não contam no caso dos nomes colectivos, então como posso escolher a caixa de que vou precisar? Por exemplo (e isto é mesmo um exemplo «ad hoc», completamente espontâneo), um arquipélago: se for um arquipélago de 9 ilhas (pura coincidência) será que é mais arquipélago do que um arquipélago de 2 ilhas apenas? Devo acrescentar que os livros não ajudam: dizem apenas que um arquipélago é um grupo de ilhas vizinhas umas das outras. Grande achega! Não há quórum aqui, mínimos de participação? Cá para mim, acho que será mais arquipélago por ter tantas ilhas; parece-me mais verídico, soa melhor, tem mais ilhas… portanto, acho que merece mais o prefixo arqui- (que indica superioridade, preeminência). Mas não deixa de ser um arquipélago, claro, como todos os outros. Uma caixa com coisas da mesma espécie lá dentro. Só que maior. E com mais coisas. E mais espaço à volta. Mas porque é que me lembrei disto? Ah, já sei, foi por causa do mar. É que pélago vem do grego e significa mar alto. E também abismo, profundidade, imensidade.

Publicado no Açoriano Oriental a 7 Fev. 10

01/02/2010

PSSST!

Que profundo!
Há palavras de que gosto imenso. Por razões diversas, e nada racionais, há palavras cuja sonoridade me cai direitinha no goto.
Gargantuesco. Verrinoso. Quiçá. Petrificado. Ameba. Quixotesco. Atroz. Abissal. Mnemónica. Oscular. Clarabóia… e muitas outras, igualmente ou ainda mais apelativas.
É com ‘abissal’ que me surge a dúvida: será abissal ou abismal? Quer dizer, as duas formas existem e coabitam, mas quando empregar qual? Que profundidades medem? Consultados os devidos especialistas, concluo que ambas se referem a abismos, mas um nadinha diferentes. Abissal é mais correcto se se restringir às profundezas geográficas, incluindo as do mar oceano; abismal fica melhor se for para adjectivar todas as profundezas — do coração, da alma, de opinião, as sociopolíticas… e também as marítimas. Portanto, abissal é mais científico e abismal mais metafórico. Abismal tem origem no latim ‘abismu’, uma evolução de ‘abyssu’; abissal nasce directamente do segundo que, por sua vez, é também a raiz de ‘abisso’, um sinónimo de abismo mas apenas no sentido de tremenda profundidade tormentosa e inatingível. E há também o verbo abismar e o adjectivo abismado, com múltiplas e úteis aplicações, seja para se precipitar no abismo ou para ficar assombrado.
Pelo que percebi, abismos há muitos e variados: do oceano, do inferno (aquele para onde vão todos os que dizem “há-des” em vez de ‘hás-de’, para fazerem alegre companhia ao famigerado deus grego) ou os da alma. Quanto aos últimos, não me manifesto, cada um conhecerá os seus. Só posso acrescentar que se forem do tipo abissólito, a situação complica-se…
Publicado no Açoriano Oriental a 31 Jan. 2010