01/02/2010

PSSST!

Que profundo!
Há palavras de que gosto imenso. Por razões diversas, e nada racionais, há palavras cuja sonoridade me cai direitinha no goto.
Gargantuesco. Verrinoso. Quiçá. Petrificado. Ameba. Quixotesco. Atroz. Abissal. Mnemónica. Oscular. Clarabóia… e muitas outras, igualmente ou ainda mais apelativas.
É com ‘abissal’ que me surge a dúvida: será abissal ou abismal? Quer dizer, as duas formas existem e coabitam, mas quando empregar qual? Que profundidades medem? Consultados os devidos especialistas, concluo que ambas se referem a abismos, mas um nadinha diferentes. Abissal é mais correcto se se restringir às profundezas geográficas, incluindo as do mar oceano; abismal fica melhor se for para adjectivar todas as profundezas — do coração, da alma, de opinião, as sociopolíticas… e também as marítimas. Portanto, abissal é mais científico e abismal mais metafórico. Abismal tem origem no latim ‘abismu’, uma evolução de ‘abyssu’; abissal nasce directamente do segundo que, por sua vez, é também a raiz de ‘abisso’, um sinónimo de abismo mas apenas no sentido de tremenda profundidade tormentosa e inatingível. E há também o verbo abismar e o adjectivo abismado, com múltiplas e úteis aplicações, seja para se precipitar no abismo ou para ficar assombrado.
Pelo que percebi, abismos há muitos e variados: do oceano, do inferno (aquele para onde vão todos os que dizem “há-des” em vez de ‘hás-de’, para fazerem alegre companhia ao famigerado deus grego) ou os da alma. Quanto aos últimos, não me manifesto, cada um conhecerá os seus. Só posso acrescentar que se forem do tipo abissólito, a situação complica-se…
Publicado no Açoriano Oriental a 31 Jan. 2010

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