23/11/2009

PSSST!

Desata-línguas
Lembra-se do seu linguajar de criança? Sem falar nos anos (ui!) que distam entre o presente e a infância de cada um, todos nós criámos palavras que, seguindo uma lógica de imitação fonética, representavam o mundo. Uma das de melhor memória era «deslarga-me». Havia logo correcção, pois deslargar não era reconhecida como uma palavra propriamente dita, daquelas com chancela do dicionário e da professora primária. Deixei de dizer «deslarga-me», pelo menos em público!
Mas não deveria. Porque o prefixo DES- não só significa separação ou acção contrária, mas também intensidade. E está na moda. Quantas vezes já lobrigou “desmultiplicar”? Desmultiplicam-se recursos, orçamentos, eventos e pessoas. Sem recorrer a qualquer efeito de clonagem, você pode desmultiplicar-se as vezes que aguentar. Quer dizer que se dispersa por várias actividades em simultâneo.
E o deslargar? Apesar de não unanimemente reconhecido pelos dicionários, é uma forma popular de intensificar a ideia de largar. Se é mesmo para largar, sem dúvidas, verdadeiramente, pode gritar o tal «deslarga-me». Não será para se proferir em reuniões de administração ou jantares de cerimónia, mas diga-a, sem pejo, no meio da rua, entre amigos, na galhofa. Tal como pode dizer destrocar (desfazer uma troca, algo complicado mas possível; ou, se for militar e estiver a comandar a parada, para destroçar) ou destorcer. Esta última é até bastante útil, pois significa endireitar o que está torcido; ou torcer para o outro lado; também serve para disfarçar. E apesar de não ser sinónima de distorcer, não anda muito longe. Destorce o que puderes para distorceres o que quiseres, já dizia o velho ditado!
Publicado no Açoriano Oriental a 22 Nov 09

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