01/12/2009

PSSST!

Aguardem-me!

Ontem, por acaso, ouvi (foi mais bisbilhotado do que ouvido…) uma frase que me fez arrebitar as orelhas e, talvez, eriçar o pêlo. Era uma pergunta inocente mas que alegremente punha o dedo numa feridita muito comum da língua portuguesa: a colocação de um “a” logo no início de algumas palavras. E se em alguns casos pouco muda, noutros a diferença é essencial.

Um dos que mais gosto é “alembrar”. Bem alembrado, sim senhores! Alembrar é a versão popular de lembrar, sem perda de significado e com brinde — a prótese do “a”, que é como a gramática rotula este fenómeno fonético. Assoprar e soprar, alevantar e levantar, arrecuar e recuar, assentar e sentar, são casos semelhantes, brinde incluído e tudo. No caso do verbo assentar, há uma certa exclusividade de significados: em “assentar a cabeça” ou “assentar arraiais”, não me parece que o singelo “sentar” consiga substituir o colega. E depois há o par aguardar/guardar; apesar de muitas vezes usados como sinónimos, o fosso semântico que os separa é mais que fosso, é abismo. Mas a tendência de colocação do “a” é mais forte e a confusão gera-se. Quem espera nem sempre guarda… paciência.

Deixo um último desafio. E aboiar? Aquele nosso aboiar que é como quem diz atirar com muita força: aboio-te pela janela abaixo? É = a+boiar? Segundo o dicionário, aboiar tanto pode ser boiar, falar com os bois (para que se esforcem no trabalho), prender um barco a uma bóia ou marcar um lugar com uma bóia. Por seu lado, boiar tanto pode ser flutuar, como falar com os bois ou chamar com voz muito alta. Do atirar (que não faz par com tirar), nada. Acho que vou mas é aboiar com o dicionário!

Publicado no Açoriano Oriental a 29 Nov 09

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