15/01/2010

Contos a Rimar III


Trilogia Medieval

II. Vida de Dragão


Mal o sol despontava
a dor de cabeça começava
sob a forma de uma visão
que corria em contramão
escavacando o milheiro.
Era outra vez o cavaleiro!
Já um dragão não pode dormir...
e tem de estar sempre a fingir
que é horrível e feroz,
mas de tréguas do seu algoz
nem sombra ou imitação.
Outro dia sensaborão!
Se a artrite lhe apoquentava
e a pele lhe escamava
ou as garras tinha a doer...
isso ninguém queria saber!
Já sem falar no seu hálito
que nem sequer por hábito
deitava o lume esperado
para fazer o terrível assado
dos cavaleiros valentes
que, de tão reluzentes,
ofuscavam como o sol
e tiniam como o si bemol.
E ele, que já nem contava
os séculos que acumulava
de pelejas e donzelas
(algumas, realmente, muito belas!),
não seria muito natural
também sofrer do tal mal
que faz bater o coração
por uma grande paixão?
Pois é, mas à dita D. Inês
nunca chegaria a vez
de declarar o seu amor!
“Pois se tenho o valor
de mui nobre réptil ser
(quase em extinção, vamos a ver!)
e de todos exterminar
com um lume de queimar,
porque ela não me liga?”
E um dia, farto da briga,
o dragão ao castelo assomou
e de rompante e fúria o tomou,
fez as pazes com a donzela
(realmente muito bela!)
da sua panela comeu,
e do seu odre bebeu.
E o acordo assim alcançado
nunca mais foi quebrado,
nem por D. Rangel que, do seu pomar,
se regozijava a descansar:
“Quero lá do dragão saber –
assim é que é viver!”

Maria das Mercês Pacheco


Segunda parte da Trilogia; os desenhos continuam a ser do Barradas.

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