29/06/2009

PSSST!


Absurdo número um
Navegando pela Internet, descobri um útil livro, em forma de dicionário, que expunha as tretas (tradução comedida da palavra original!) mais comuns com que os falantes da língua inglesa se podem deparar e como delas se defender. Depois descobri que havia mais livros do tipo. Essencialmente, todos eles expõem os eufemismos, as expressões falaciosas, os absurdos, etc. Como não sei o estado do mercado livreiro português nesse campo, proponho que comecemos já aqui a nossa própria lista de absurdo/tretas (numa palavra, coisas-que-não-conseguimos-compreender-por-mais–que-nos-esforcemos), por ordem de inspiração e não alfabética.
Quem começa? Eu? De acordo. Apesar de que me dava jeito alguém com experiência política aqui ao lado…
Colaborador — mas desde quando é que um empregado, ou seja, alguém cuja vida profissional é feita a trabalhar a tempo inteiro para outrem em troca de remuneração, é um colaborador? É um empregado, é um funcionário, tenha o cargo que tiver. E então uma pessoa desempregada? É um «descolaborador»? Fica a pergunta.
Desafio — quando empregue para significar uma «quase-impossibilidade», é um eufemismo. É claro que algo difícil de atingir pode ser desafiante, mas a ligação não é nem imediata, nem universal. O que geralmente fazemos quando somos confrontados com certos desafios? Um sorriso civilizadíssimo, e que sim senhor, é interessantíssimo, sem dúvida.
Depois destas duas entradas para o nosso futuro dicionário (quiçá enciclopédia), proponho que comecem a enviar as vossas sugestões, sejam elas palavras, expressões ou situações, para o correio electrónico acima referido. O sucesso aguarda-nos!

Publicado no Açoriano Oriental a 28 Junho 09

26/06/2009

The Dictionary of Bullshit

Acho que este vou comprar; é utilíssimo para além de divertido. E há mais, vejam aqui...


21/06/2009

PSSST!

Vossa eminência chamou?

Chegou ao meu conhecimento, através de uma amável carta, uma sugestão imperdível.

Num jornal televisivo, uma legenda (daquelas irritantezinhas que, qual carreiro de formigas, desfilam por baixo das mãos do jornalista e me fazem sentir que tenho de optar entre ler, ver ou ouvir as notícias) dizia: “está uma reunião eminente para hoje”. Não sei qual seria o tema, mas a reunião devia ser importantíssima. O que até mais me espantou foi saber-se tal coisa de antemão. Ora, se os profissionais do jornalismo conseguem adivinhar isso, porque não nos fazem chegar mais cedinho a chave do Euromilhões, a data exacta do fim da crise ou o próximo valor da inflação? Se calhar é porque não há sondagens para tais futilidades.

Iminente e eminente são adjectivos que muitas vezes se confundem, pela semelhança de grafia. O que está quase a acontecer, o que está próximo, é iminente; aquilo que denota superioridade, excelência, o que é alto, então é eminente.

Se tiver dificuldade em distinguir, lembre-se: se é eminente é porque já está provado sê-lo e não há iminência que se lhe aplique, pois essa fase já passou; se for cardeal ou outro alto dignitário da Igreja, é um “vossa eminência”; e se é iminente, pode ser que venha um dia a ser eminente, só se percebe no fim. Como nos jogos de futebol.

Uma palavra de aviso, porque isto há sempre umas armadilhas pelo caminho: se se tratar de uma eminência parda é porque a eminência está disfarçada e apenas os mais observadores reconhecerão o verdadeiro poder. Esses serão os iluminados, e muito provavelmente iminentemente eminentes.

Publicado no Açoriano Oriental a 21 Junho 09

18/06/2009

Adivinhem lá!


Mandaram-me (não revelo as minhas fontes....) um jogo muito engraçado, uma espécie de adivinha. Só tens de descobrir qual das louras famosas foi fotografada nos Açores. Vê com muita atenção, é algo difícil!

14/06/2009

PSSST!


Você tem uma «Mensagem»?

Por este dias, ando muito influenciada pela «Mensagem». A de Fernando Pessoa, apesar de não desprezar outras mensagens, desde que não sejam do além… ou de telemarketing, a vender um novo e infinitamente melhor produto.

Não sei se por influência do 10 de Junho — a repetição do mesmo modelo de cerimónias há anos sem fim tanto pode ser um conforto (Portugal idem idem) como um desespero (Portugal idem idem), tudo depende do ponto de vista e o de Pessoa também conta: “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e ser / Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”; se pelas tiradas lugar-comum no programa “As 7 Maravilhas de Portugal pelo Mundo” em que, apesar da louvável e apelativa iniciativa, o texto dos apresentadores era tão bafiento! (ainda citando: “Outros haverão de ter / O que houvermos de perder.”); se por causa das Europeias — ainda não me recompus da terrível taxa de abstenção —, que tanta indiferença mereceram dos portugueses (apesar de Pessoa ter dito que “A Europa jaz, posta nos cotovelos / De Oriente a Ocidente jaz, fitando / […] O rosto com que fita é Portugal”); se por via dos humedecidos nevoeiros (“Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”) que ensombraram estas ilhas durante uns dias — se prometedores do Encoberto, não sei, mas já me parece um bocadinho tarde para tal; enfim, só sei que a única coisinha que nestes dias me alegrou foi saber que Barack Obama já ouviu falar de Camões, conhece o nome da obra e sabe em que século se situa. Nada mal: muito melhor que os inquéritos de rua aos portugueses.

“Senhor, falta cumprir-se Portugal! / […] É a Hora!”.

Publicado no Açoriano Oriental a 14 Junho 09

11/06/2009

É a hora!

III - Os Tempos

Quinto
Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Escrito em 1928 por Fernando Pessoa, sendo o poema que fecha a Mensagem. Sinto-o tão actual.

09/06/2009

Teoria da Conspiração Informática


Aderi ao Facebook, por via de tantos convites. E apesar de achar graça, não sei se não será mais uma coisinha para me prender ao computador. Entretanto, fui à "New Yorker" e encontrei este cartoon...

07/06/2009

PSSST!


n(v)ote bem

É notável o modo como conseguimos dar a volta às palavras. Com tanta publicidade, propaganda, marketing e forças de vendas, por força de tanta exposição, tanta manobra e demagogia, a língua portuguesa por vezes é de tal forma esfacelada que… pensando bem… será notável ou notório?

Creio que, nos dias que correm, um conceito já se confunde com o outro. Mas não deveria. Notável é o que, para além de ser digno de atenção, é ilustre, é distinto ou extraordinário. Mais: pode referir-se a algo ou alguém possuidor de características excepcionais. Notório significa que é claro, conhecido de um vasto público, que se evidencia de forma aberta. Talvez por influência da língua inglesa (onde «notorious» é claramente negativo e muito próximo de infame) e pela ténue diferença que existe entre cada uma, tenho tendência a desconfiar dessas palavras. E onde muitas vezes se cataloga de notável, vejo notório. Claramente visto. Notável como o cabelo de fulana, da noite para o dia, cresceu 20 cm e clareou tanto! Notável como a filha de sicrana já está tão crescidinha que pode posar para revistas masculinas! Notável como fulano dominou a entrevista e arrasou com a jornalista (não estou a falar de algum caso concreto, nem por sombras…)! Serão notáveis, sim, chamam a atenção, não pela notabilidade mas pela notoriedade. Serão dignos de nota? Muito provavelmente. Mas nota como em notação. Pontuação. E baixinha.

Será notável que hoje votemos todos. É para isso que serve uma eleição: para escolhermos. Votemos. Para que a abstenção não se torne em mais um episódio notório da nossa democracia.

Publicado no Açoriano Oriental a 7 Junho 09

02/06/2009

PSSST!


Tenham modos!
Há modos e há tempos. Falo de verbos, claro, apesar de que esta frasezinha de início até poderia ser aplicada a muitas circunstâncias de vida.
O modo exprime as diferentes atitudes do falante em relação ao facto enunciado — certeza, incerteza, ordem, hipótese; o tempo indica a altura em que esse facto acontece. Nos modos existem o indicativo, o conjuntivo e o imperativo; nos tempos, essencialmente, o passado, o presente e o futuro.
Esta semana, li, numa notícia, uma tal salgalhada de modos verbais que até tive de colocar os óculos: onde deveria estar o indicativo (usado para relatar acções reais) estava o conjuntivo — modo reservado para dúvidas, eventualidades ou hipóteses. E digo mesmo reservado, no sentido em que deve usar-se com reservas, pois se quiser falar de algo que acontece, tem o hábito de acontecer ou vai acontecer muito proximamente… deve usar o indicativo. Concretizando: «eles entram todos os dias às 10». Indicativo. Habitual e factual. Agora experimente com o conjuntivo: «eles entrem todos os dias às 10». Não. De todo. Mas estaria certo se dissesse: «eles que entrem todos os dias às 10». Conjuntivo. Porque está a conjecturar, não a relatar.
Como fazer a distinção? Analise bem qual a atitude: é uma narração, uma suposição ou uma ordem? Está a contar, a desejar ou a comandar? Quer descrever, duvidar ou… pôr e dispor? Se é uma notícia, calculo que seja uma narração. Portanto, supõe-se menos e indica-se mais.
Termino a autoflagelar-me com a errata da semana passada: era ininteligível e
não “inteligível”. As minhas desculpas. Malvado joelho!

Publicado no Açoriano Oriental a 31 Maio 09

29/05/2009

Falta cumprir-se Portugal



SEGUNDA PARTE: MAR PORTUGUEZ

Possessio maris.

I. O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguez..
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

in Mensagem, Fernando Pessoa

24/05/2009

PSSST!


Macarronismos…


Aqui há dias senti-me muito mediterrânica. É uma sensação fantástica, claro, mas descabida para quem vive nos Açores. Tudo isto porque na rádio falaram na Macarronésia. Rigorrosamente na Macarronésia. Que deve ser a terra onde se produz o macarrão, lá para os lados de Itália, portanto mais perto do Mediterrâneo. Daí a sensação.


E quem fica na Macarronésia? Os Açorres, a Madeirra, as Canárrias e Cabo Verrde (olhem lá o jeito que deu para esta crónica o facto de todos estes arquipélagos terem um R no nome!). Altamente macarrónico!


A propósito: macarrão tanto pode vir de «makron», de «makaria», estas de origem grega, ou do italiano «macchare»; para ajudar, macarrão também pode ser um pequeno moitão de ferro. Macarrónico significa burlesco ou ininteligível*.


Para além de um normalíssimo tique de fala ou de se ser de Setúbal, estamos a falar é da Macaronésia — conjunto de arquipélagos com perfil biogeográfico semelhante, localizado no Atlântico norte. Macaronésia é um vocábulo que provem do grego e conjuga as noções de «makáron» (feliz, afortunado) e de «nesoi» (ilhas); por isso, os antigos geógrafos consideravam como abençoadas as ilhas que ficavam a oeste do estreito de Gibraltar.


E por falar em Atlântico, e num exercício de puro idílio geográfico, contei pelo menos 90 ilhas no lado norte e 16 no lado sul. Portanto, dizermos que somos ilhas do Atlântico também não é lá grande diferenciação.


Digamos Açores, Azores ou Azoren; leiamos à francesa ou japonesa; até podemos dizer Açorres… não importa, desde que sejamos sempre nós!


Publicado no Açoriano Oriental a 24 Maio 09


*no jornal foi publicada a palavra "inteligível" quando o que eu queria era dizer o contrário; é o resultado de fazer as coisas à pressa; as minhas desculpas.

17/05/2009

PSSST!


Oremos…

Não é de propósito, este título hoje, juro que não é. Mas esta semana apercebi-me da diferença que faz um H.

Para começar, há (com H, pois claro, porque é do verbo haver; não é nem primo afastado do “à”, a contracção da preposição A com o artigo A) a polémica do H-que-cai-ou-não-cai com o acordo ortográfico. Parece que não cai; pelo menos se não for empurrado. Em português do Brasil, escreve-se “úmido”, mas por uma questão de etimologia — é defendida a tese de que a palavra deriva do latim «umidus»; em Portugal, seguimos a variante «humidus», igualmente adoptada pelas línguas inglesa, francesa e castelhana. Na Europa, é húmido com H.

Mas adiante. Isto nem sequer é que me traz aqui hoje (H-que-não-cai), pois, em termos de humidade, mesmo que caísse, o significado da palavra não mudaria. O que mudaria seria, por exemplo, se caísse o H de hora. Confundir-se-ia com ORA do verbo orar (que significa rezar, discursar ou pedir; ora e perora estão no presente do indicativo ou no imperativo, e usam-se tanto em novos e grandiosos templos como em encontros políticos); com ORA, conjunção equivalente a “ademais”; com ORA, interjeição de desprezo; com ORA, parte da locução ora…ora; e com ORA, de agora, como na expressão “por ora”. E esta veio mesmo a calhar: “por ora” significa “por enquanto”. Mas imagine que coloca aí um H — fica “por hora”. Já é outra história, já implica negociações, impostos, papelada e remunerações.

Donde concluo que se deve ter muito cuidado com o local onde pomos os nossos Hs. Dignifiquemo-los. Afinal sempre fazem parte de palavras como humano ou habitação. Não seja hebetante!

Publicado no Açoriano Oriental a 17 Maio 09

10/05/2009

PSSST!


Dias difíceis

Alguns conselhos de saúde são realmente pouco saudáveis. Outro dia, comentei que me doía a garganta e, prontamente, uma criatura adiantou-se e aconselhou-me que “bocejasse com água morna e sal grosso” pois era muito bom! Ora, eu já acho extremamente difícil controlar um bocejo normal, quanto mais um regado por água salgada. E apesar do oposto não ter acontecido, posso imaginar alguém a dizer que bochechou imenso durante a missa. A confusão entre bocejar e bochechar poderá acontecer por duas razões: têm sonoridade semelhante; ocorrem na mesma área do corpo. Mas não são o mesmo: bocejar é sinal de sono ou enfado; e bochechar, bem, tem a ver com higiene oral — você enche as bochechas com um líquido e depois faz movimentos de agitação. Na verdade, eu acho que para a garganta o melhor seria gargarejar, mas pronto, isto sou eu a ser picuinhas….

Outra confusão hilariante ocorre entre mugir e mungir. Um deles é sinónimo de ordenhar. Qual? Pois… Bem sei que são extremamente semelhantes e que, para complicar, ambos se referem a vacas. Quem muge e quem munge? Muge a vaca (mugir é o berro da vaca; em termos figurativos, significa bramir, rugir) e munge o lavrador (mungir é ordenhar; pode também significar explorar ou despejar). Se a vaca muge enquanto é mungida, isso já é outra história e cada um sabe de si.

Já agora acrescento que limiar e linear são coisas diferentes — limiar é a soleira da porta ou o começo de algo; linear é porque tem linhas ou é alongado. Donde concluo que o “linear da realidade” de que (erradamente) ouço falar deve ser uma coisa rectilínea e organizadíssima… Linearmente no limiar!

Publicado no Açoriano Oriental a 10 Maio 09

03/05/2009

PSSST!


Sai um particípio bem passado!
O que é que você sabe sobre particípios passados? Que tem a dizer sobre o uso dos mesmos? Vamos ver cada palavra: «particípio» é porque participa em alguma coisa; «passado» porque já foi, já acabou e encontra-se… morto, matado, morrido e enterrado.
Na verdade, o particípio passado é uma forma nominal que participa da natureza do verbo, funciona como um adjectivo (diz da condição de…) e se conjuga com um verbo auxiliar.
E aí é que está o busílis. É que, dependendo do auxiliar, pode haver diferentes particípios. São os duplos — não os do cinema, hercúleos sósias do herói da fita; não aquelas criaturas que sofrem de camaleonismo social e político; nem sequer falo de algo que seja duas vezes maior…
Regra geral (e, como sempre, há excepções), o particípio regular (a forma mais longa) conjuga-se com os verbos ter/haver e o irregular (o modelo compacto) com ser/estar. Por isso se podem usar os vocábulos morto, matado e morrido — mas veja lá como! Alguém pode estar morto, mas ter matado ou morrido. Fulano de tal foi pago para calar o bico, mas alguém tinha pagado para tal. O facto de se ter salvado a reputação de sicrano não significa que esteja realmente salvo. Enfim, não faltam exemplos. Gosto especialmente quando o particípio passado irregular, o da versão “fast-food”, se confunde com um adjectivo: é o caso de dissoluto. Como é irregular, alinha-se com ser/estar: a assembleia foi dissoluta; mas, por causa das confusões, deve fazer-se a tal excepção e preferir… dissolvida; assim poupa o dissoluto para casos em que a dissolução seja de carácter. Deixe estar que não faltam oportunidades!


Publicado no Açoriano Oriental a 3 Maio 09

27/04/2009

PSSST!


No feminino!
Esta semana pensei muito no feminino. No género, quero eu dizer, das palavras. E se calhar no feminino em geral, que os tempos andam propícios…
Há aquelas palavras que são do género feminino mas que, apesar disso e de já o serem há uma data de anos, são pouco reconhecidas. Que género têm vocábulos como diabetes, síndroma ou testemunha? Feminino. Sempre.
Depois há os vocábulos que são sempre do género masculino, como cônjuge (não importa se você é a mulher ou homem, é sempre “o” cônjuge; e lê-se cônjuge e não conjugue, mesmo que você e o seu cônjuge se conjuguem muito bem …) ou grama (como em “o” quilograma, decigrama ou miligrama).
Há o caso da palavra que pode ter dois géneros, sendo prevalente um deles: personagem. Ainda que as gramáticas e os dicionários reconheçam os dois géneros, a preferência em termos de correcção vai para o feminino. E embora se trate de uma questão linguística, está igualmente de acordo com os tempos.
São também femininas palavras como justiça, igualdade, felicidade, discriminação e — uma expressão extraordinária que ouvi por estes dias — a ordem natural das coisas. Pois claro, nada mais natural do que a ordem das coisas, sem dúvida nada será tão feminino como a naturalidade das coisas e (apesar de ter agora algumas dúvidas e pouco espaço para reflectir no assunto) pouco haverá neste mundo que seja tão ordeiro como as coisas naturais.
Eu, ilhoa, quando for primeira-ministra ou juíza ou presidenta (não incluo aqui as hipóteses monja, giganta ou hóspeda, que não dão jeito para a questão…) decretarei imensas coisas úteis e naturais, incluindo que nunca mais se confundam os géneros das palavras.
E liberdade também é feminina.


Publicado no Açoriano Oriental a 26 Abril 09

21/04/2009

XKCD: Webcomic Strips + Stick Figures + Math and Romance

Descobri-os no NY Times, vão ser publicados em livro (livro mesmo!) e são a banda desenhada XKCD, mais conhecidos por webcomics e não passam de stick figures do complicado mundo actual. Vale a pena espreitar!

19/04/2009

PSSST!


Isso nem parece seu!
Eu sei que vivemos numa sociedade consumista. Crise ou não crise, adquirimos bens e usamos serviços. Mas, que diacho, não ponham na minha posse coisas que não me pertencem. Olhem lá o sigilo bancário… ou a falta dele. A propósito, como li num blogue esta semana, quem vai controlar o assunto? E, pergunto eu, quem vai controlar quem controla?
Voltando à posse. A culpa é da supremacia do «seu». Ouço e leio por todo o lado que isto é seu, aqueloutra é sua; nunca é dele ou dela, é sempre seu. Ora bem, se sou eu o destinatário da mensagem, presumo que é meu. Não é. O meu, declaro no IRS. Por exemplo, uma loja ou um restaurante anunciam — dirigindo-se a nós directamente — que “os seus preços” são isto ou aquilo. Não são os meus preços, de certeza absoluta. São os preços deles; se fossem os meus seriam bem diferentes!
O uso do pronome possessivo «seu» para referir o que é possuído por terceira pessoa está correcto. Mas também pode servir para referir o que é de segunda pessoa (em presença e se tratada com cerimónia). Portanto, o erro está no abuso. Assim, para diferenciar, nesses casos deve preferir-se o pronome «dele» e devidas flexões. Se eu estiver a falar com alguém a quem trato por «você» e se surgir outro referente na conversa, o uso de «seu» pode criar confusão: vai ficar sempre a dúvida de quem possui o quê. E, se calhar, quando e onde! Livra!
Diálogo tirado à pressa do chapéu:
— Olá, como está? Liguei ontem para a sua filha, mas o seu telemóvel estava desligado.
— O meu telemóvel?
— Não, o da sua filha…
O ideal teria sido «o telemóvel dela». Por isso, parem de colocar em meu nome o que é de outrem. Posso nem querer…


Publicado no Açoriano Oriental a 19 Abril 09

12/04/2009

PSSST!


Como diche?
Já não é a primeira vez que reparo neste fenómeno! A facilidade com que colocamos os sons de S/CH onde eles não são necessários, leva-me a concluir (as minhas conclusões são muito pouco científicas!) que sofremos de… ciciamento. Ciciamos. Se os nossos antepassados já ciciavam, se ciciaremos para sempre ou se cessaremos de ciciar, não faço ideia.
Não será sequer um defeito, nos casos (e semelhantes) que aqui apresento; creio que será mesmo um mau uso da língua. Vejamos alguns exemplos comuns: “prontos!” (como interjeição demonstrativa) em vez de “pronto!”, um abominável hábito; “salchicha” ou “chalchicha” ao invés de salsicha; “estou cá com uma dores de cabeça”, expressão onde a bota não bate mesmo com a perdigota em flexão de número. Outros haverá!
Mas o mais engraçado é que também fazemos o contrário: comemos sons sibilantes. Como se chama a quem cicia? Para além do popular “sopinha de massa”, claro! Desde pequena que me habituei a ouvir a expressão “cioso” ou “ciosa”. Está mal! Quem cicia é cicioso. E quem é invejoso ou zeloso é que será cioso. Se quem é cicioso é cioso do seu cicio, já será outra história. Porque, provavelmente, seria complicado dizer CI-CI-O-SO (tantos sons sibilantes!), deixou-se cair, na linguagem falada apenas, o primeiro CI… Pois claro, ainda por cima com uma palavrinha tão parecida logo ali à mão! Ciciar, mas como verbo transitivo, também significa segredar ou sibilar. Uma cicia é uma espécie de cotovia; e Cicia é uma ilha das Fiji. Acho que fiquei contaminada… Boach Páscoach!


Publicado no Açoriano Oriental a 12 de Abril 2009

08/04/2009

Blogging... boing...


Andei pelos blogues, coisa só possível de acontecer numa semana que está a decorrer devagarinho, e encontrei, no site do Alvim, este outro delicioso site de uma tal de SpeakyTv, canal emblemático e divulgador do Festival Alternativo da Canção, inaugurada em Dezembro último (explorem bem o site antes de clicarem no link para o Festival...).

Noutro blogue, o Sinusite Crónica, apareceu um fantástico texto de Alexandre Borges sobre as Misses.

Por cá, realizam-se bailes das décadas de 60, 70 e 80 (nada de novo!).

O que se passa com o pessoal? Andamos com saudades de quê? Da despreocupação do passado? Da ligeireza da juventude? De sexo livre? De cuecas de gola alta? Do Elvis?

Não tenho uma resposta. Apenas pontos de interrogação. Apelo para os peritos nas -logias modernas.

06/04/2009

PSSST!


Do tempo da Maria Cachucha!
Muito se aprende no supermercado! Não só encontramos o melhor iogurte para o trânsito intestinal (informação já gentilmente cedida pela TV à hora das refeições, o que faz todo o sentido mas mesmo assim impressiona!) ou o melhor aloé para a roupa (receio que, qualquer dia, a minha roupa fale comigo e me diga, cara a cara, o que pensa de tanto detergente…), como também podemos escutar perguntas perfeitamente deliciosas. Outro dia, em grande aflição, uma senhora perguntava se vendiam aloquetes. Placidamente, a menina do caixa respondeu que não. Ainda mais placidamente, perguntei se sabia o que eram; e sabia. Não é fácil encontrar gente nova que saiba o que é um aloquete. Aliás, eu nem tinha a certeza de como se escrevia, pela distância que vai desde a última vez que vi essa palavra, tanto em papel, como no meu «scroll» mental (uma funcionalidade extremamente útil). Para mim, as palavras — para além do corpo das suas letras — possuem uma espécie de ficheiro biográfico que lhes confere personalidade.
E, dessa lembrança quase apagada, surgiram outras, algumas por sugestão de uma leitora (obrigada, Fátima). Aloquete, ou loquete, mais comum no Norte do país, significa fecho móvel, cadeado ou ferrolho, outra antiguidade. E coxim? O raro coxim? No dicionário, é uma espécie de sofá sem costas; cá, é almofada de sentar e não de deitar a cabeça. E a cruzeta, onde sempre pendurámos os casacos? A camionete… O ser-se chocalheiro… Sumir alguma coisa… Mas um dos meus preferidos é o uso de DISCRETO como sinónimo de esperto. É o suficiente para confundir qualquer um! Ou não… A verdade é que uma pessoa discreta (reservada) pouco revela, raramente correndo o risco de dizer o que não deve. Coisa rara, mais rara do que um coxim, hoje em dia!


Publicado no Açoriano Oriental a 5 Abril 09

02/04/2009

Dia Mundial do Livro Infantil

Já que hoje é o tal dia e como não há maneira de (anyone?) publicar o meu livro de contos a rimar, aqui fica mais um. Infelizmente, não há desenhos do Barradas para acompanhar!

A Cidade dos Cogumelos

Chovia, chovia, chovia, chovia...
e há já três meses que não se via
uma nesga de sol no céu;
só, na paisagem, um chapéu
de nuvens de cenho fechado
e o próximo verão ameaçado
de nunca mais o vir a ser.
Realmente, até custa a crer!
Suspiravam as pessoas,
que mais pareciam canoas
à deriva, sem amarração,
e uma neblina no coração.
É, pois, neste amargo cenário,
que vamos encontrar um canário
de fofa plumagem amarela
que, por detrás de uma janela,
vê, distante, o mundo passar.
E a chuva, sem nunca parar!
Certo dia, como os outros, tal e qual,
repara em algo pouco normal:
vai um homem a saltitar,
uma senhora quase a adornar,
um menino, a pé coxinho,
e mais além um velhinho...
“Vai o mundo a coxear!”,
pensa o bicho, sem disfarçar
o espanto por tal caso.
E então, no chão raso,
sentam-se todos, mesmo molhados,
e dos pés tiram os sapatos
para revelarem “Que horror!”,
um visão de tremendo pavor:
é que de tanta humidade
(tanta, que afogava a cidade!)
tinha nascido, meio a medo,
um cogumelo entre cada dedo!
Um fungo, redondo e pardo,
entre os dedos bem plantado,
com uma facécia de espantar
que nem se podia acreditar!
Tudo isto o canário observou
do poleiro em que ficou,
com os olhos esbugalhados,
na casa de vidros molhados.
Devagar, muito a custo,
— pois não queria tal susto! —
as suas patas remirou
e nada de anormal achou:
“Nem sombras de cogumelos!
Os meus pés continuam belos.”
(Na verdade, seriam patinhas,
tão recurvas como gavinhas).
“Ah, ah, talvez seja uma condição
de quem não é bicho de estimação!”
O canário assim pensava
enquanto, contente, saltitava
no seu poleiro metalizado
na casa de rosto molhado...
sem perceber que a Natureza
em toda a sua cruel beleza,
se estava encarregando
de nas suas patas ir plantando
uns quantos lustrosos fungos,
como os outros, tão redondos.
Por isso, antes de falares
e dos outros mal pensares,
pode a má sorte em ti reparar
e nos teus pés também plantar
qualquer acrescento hediondo –
nos pés... ou não importa onde
pois o que aos outros se deseja
pode cair-nos em cheio na cabeça!

Maria das Mercês Pacheco

29/03/2009

PSSST!


Sua Alteza Real
Já não é a primeira vez que a questão me intriga. Até pela linguagem que usa. Mas no outro dia, num programa de televisão, voltei a deparar-me com o assunto: o que pode levar alguém a autodefinir-se principal e quase exclusivamente pelo clube de futebol do qual é adepto/a? Para conhecer o outro, os seus valores, as suas preferências, bastará saber que pertence ao clube (não refiro nomes pelas razões óbvias, tenho amor à pele) X, Y ou Z? Em que acredita — na liberdade, na justiça, na igualdade? Ah, eu sou é do X. O que acha da presente situação mundial? O meu coração é do clube Z. O que o/a comove? O golo marcado pelo jogador do Y. Será uma crise de identidade universal que vivemos?
Sei que o futebol é o desporto-rei; sei que movimenta milhões (e não falo apenas de pessoas…); e sei que os clubes se podem escolher pelas mais diversas razões — o meu pai já era, para ser o contrário de lá de casa (hereditariedade… ou a sua negação), o mesmo que os amigos, é da terra onde nasci, gosto mais daquela cor, porque sim!
Mas se (e atenção, este SE não é de dúvida) o futebol é o desporto-rei, qual será o desporto-rainha? Ou o desporto-imperador? Desporto-príncipe-herdeiro? E se até tem direito a vocabulário e aforismos próprios (… alguns de risível e infeliz memória), não seria boa ideia então criar uma lista oficial, passível de votação, de desportos-nobres e sua hierarquia? Não faz sentido haver uma ditadura tal, ainda por cima de sangue real, coroada e governante, sem haver consorte, herdeiros ou nobre séquito.
Acham que posso sair à rua depois de hoje?


Publicado no Açoriano Oriental a 29 Março 09

22/03/2009

PSSST!


Esta-de-a-dor!
Esta semana acabei por aterrar nesta crónica por meio de uma sequência de imagens e pensamentos, no mínimo, tortuosa! E acabei por aterrar, como dizia, na palavra ESTADO, suas derivações e complicações.
Todos nós sabemos que o estado da educação em Portugal não está… enfim… em estado de graça. Não vou opinar, apoucar ou engrandecer. Mas não posso deixar de dizer que fazer estadeação do assunto não é boa ideia! Tudo isto porque ouvi, na rádio, um anúncio que promete a acção dos seus profissionais “especializados em tempo recorde”. Daí, saltei para a velha questão da colocação dos vários elementos na frase (neste caso, a expressão “em tempo recorde” deveria estar junto do verbo principal e não dos “profissionais especializados”, mas também sei que não é uma construção sintáctica simples de solucionar); depois, dei um pulo para o conceito de formação ou educação (sendo que a educação/boas maneiras também é um tema interessante, principalmente na estrada); a seguir lembrei-me da contenda estada-estadia, uma contenda provavelmente fútil pois no dicionário uma é sinónimo da outra, no sentido de permanência (acrescento que estadia está mais próxima de prazo para cargas e descargas, ou de tempo de permanência de um barco no porto; e estada, de demora ou estância); e finalmente cheguei a estado, seja por causa do estado do Estado ou do estadão do estado de espírito em que vivemos, que raia o estado de choque por via do estado de sítio em que a sociedade se transformou, fazendo apagar para sempre um certo estado de inocência. Nem vos digo do miserável estado em que fiquei depois disto tudo!


Publicado no Açoriano Oriental a 22 Mar 09

20/03/2009

Untimely death


A morte de Natasha Richardson impressionou-me imenso. Comoveu-me, revoltou-me, mesmo, como revoltam as mortes que parecem vir antes do tempo, que levam quem ainda tem tanto para viver e para dar, quem tem filhos pequenos. Por ser quase da minha idade, claro, que a morte dos outros impressiona quase sempre por nos fazer lembrar a nossa própria mortalidade. Mais do que uma homenagem a Natasha, fica aqui uma homenagem a uma família de referência no teatro britânico e no cinema internacional.

15/03/2009

PSSST!


A quem de direito!
A quem me enviou uma carta com sugestões, os meus agradecimentos. Aceito cartas, e-mails e palavras ao vivo. Esse “quem” levantou uma questão interessante: a da permutabilidade dos pronomes QUE e QUEM. Sim senhor, desde que o ser em causa seja humano e desde que conjugue bem o verbo, permute à vontade!
Numa frase como “Fui eu que fiz isso”, o QUE é um pronome relativo que faz a ponte entre EU e o resto da frase; em “Fui eu quem fez isso”, o QUEM está em vez de A PESSOA QUE; portanto, no primeiro caso, o verbo conjuga-se na 1ª pessoa do singular; no outro, na 3ª pessoa; e dizer “Fui em quem fiz isso” está mesmo errado, para além de dar a impressão de que há ali um conflitozinho de personalidade… O uso de QUEM neste tipo de frase serve para enfatizar o lado humano, apenas isso. Bem, a verdade é que, nos dias que correm, nunca será demasiado realçar o lado humano. O lado inteligível. Aquele que, por exemplo, nos impede de saltar ao pescoço de um funcionário público — mais propriamente, ao pescoço do sistema — após 40 minutos de espera para renovar a carta de condução (porque já se atingiu a fatalidade dos 50 anos!) e se descobre que vamos ter de conduzir mais de 3 meses com uma guia (portanto, ao invés de encartado, fica-se “enguiado”) não aceite no resto da Europa (e passa-se de condutor europeu a “enguiador” lusitano). Portugal ou nada. Pois. Para dizer a verdade, já não sei onde é o resto da Europa. Acho que será naquele pedaço de território que se exclui quando se refere o resto da Europa. Para não me acusarem de ter uma mente retorcida, só pergunto: como se refere o resto da Europa a nós, Portugal?


Publicado no Açoriano Oriental a 15 Mar 09

13/03/2009

Contos a Rimar I


Os Espinhos da Vida

Se nascera no lado errado
tal não era pecado,
mas uma grande complicação
que lhe exigia muita atenção
e um pouco de experiência.
Pois não há alguma ciência
para se ser um bicho espinhudo
de focinho bem barbudo
e perninhas tão lentas?
Para quem passa nos noventas
não há ouriço-cacheiro
que resista ao nevoeiro
ou ao asfalto molhado:
– “Só quero ir para o outro lado!
Porque se aí a comida
é mais apetecida,
só tenho de atravessar
e as pernas acelerar
como se fosse um torpedo.
E não há que ter medo!”.
Lá vai, valente e verdadeiro,
o nosso ouriço-cacheiro
ao outro lado colher
as bagas para comer.
Até que um dia... espanto,
conhece um ser de encanto
e por o seu amor se derrete,
toda a sua paixão promete
sem do outro lado se lembrar.
Para quê lá voltar?
Assim viveram felizes,
tiveram muitos petizes,
os anos-cacheiros passaram
e os filhotes bem medraram.
Mas a curiosidade feminina
é coisa que desatina
pois se neste lado se permanece
do outro nada se conhece...
E não há força como a de uma mulher
(aqui, não metam a colher!)
para o mundo de pernas ao ar virar
e a rotina assim quebrar.
E lá foram de armas e bagagens
fazer muitas viagens
entre os dois lados do caminho.
Por isso, condutor, vai devagarinho,
não esmagues contra o chão,
mesmo que do tamanho de um botão,
quem no teu caminho se atravessa.
Pode ser que sejam desta peça!

Maria das Mercês Pacheco

08/03/2009


Mergulho a 500 metros sem ar
Não admira que o país ande sufocado. Diria mais, submergido. Afogado. Asfixiado. Enfim, afundado.
E de quem é a culpa? Dos pontos de vista. De acordo com os muitos textos que consultei (e são tantos os exemplos que esgotaria o presente espaço!), estamos «sob» infinitos pontos de vista: ele é “sob o ponto de vista pedagógico”, e é “sob o ponto de vista do conteúdo”… “sob o ponto de vista funcional”… “sob o ponto de vista arquitectónico”…
Que um ponto de vista pode ser, conforme o emissor, algo mais do que uma opinião e tornar-se uma ordem ou um dogma, eu sei que é possível. Olarila. Mas que se transforme num jugo tão pesado que andemos todos de rastos, é que já é demasiado. Agora, pergunto o óbvio: e o que está sob o “sob o ponto de vista”? O que lá se esconde? Outro ponto de vista? A verdade? Absolutamente nada? Musgo? E como se determina o peso do ponto de vista? Conforme a força do «sob»? Haverá um ponto de alavanca? Enfim, questões filosóficas que deixo para quem de direito. O que sei é que Portugal é um país tão prenhe de pontos de vista que o resultado só pode ser desastroso.
Proponho uma solução: deixemo-nos de profundidades, esqueçamos o que se esconde nas funduras e passemos a falar DO PONTO DE VISTA ou NO PONTO DE VISTA, conforme a visão periférica de cada um.
E se não tiver vista, seja de que ponto for, pode pedir um empréstimo a quem realmente tem e até impressionar os outros… ah, mas esperem, isso já fazemos!

Publicado no Açoriano Oriental a 8 Março 09




03/03/2009

Around the World in 80 Books


O blogue da Penguin lançou, no iníco de Janeiro, uma acção engraçadíssima, intitulada Around the World in 80 Books. Para não estar aqui a maçar-vos com os detalhes, digo apenas que já vai na quarta etapa e que Inglaterra, França, Suíça e Itália já foram visitadas, sendo os livros correspondentes a cada um destes países os seguintes: Great Expectations, de Charles Dickens; Gemma Bovery, de Posy Simmonds, e Le Grand Meaulnes, de Alain Fournier; Hotel du Lac, de Anita Brookner; e I, Claudius, de Robert Graves.

Li, também, que o autor desta iniciativa, chamado Sam the Copywriter, procurava inspiração para visitar Portugal, tendo avançado a hipótese de seguir Ensaio sobre a Cegueira, hipótese descartada logo depois. Vamos dar sugestões? É só clicar no link do início do texto.

01/03/2009

PSSST!


Um país de obesos
Segundo as estatísticas (que são muito traiçoeiras!), o nosso país apresenta assustadoras taxas de obesidade: uma das mais altas da Europa nas crianças, 13% nos homens e 15% nas mulheres.
É um problema, com certeza. Mas devo dizer que os audiovisuais não ajudam. Principalmente os áudio. Estranho? Hum… Preste atenção à publicidade e diga-me se é ou não é constantemente assediado/a para comer. Aliás, se pensar mais um pouco, é a forma imperativa que é usada, na segunda pessoa do singular: uma espécie de “tu, come!”. E quando é que tal acontece? Ainda não adivinhou? Então diga-me como lê o endereço electrónico inscrito no topo desta crónica (vai aqui uma pseudo-transcrição-fonética): “pçtecrónicaarrobaguêmeilpontocome”. É assim que lê? E depois admiram-se de sermos um país de obesos. Uma vez que já está aportuguesado, o domínio deve ser lido “pontocom” e não “pontocome”. Assim escusa de estar sempre a pensar em comida!
Se quer dizer “come”, então diga tudo em inglês: “somethingatsomemaildotcom”.
“Com” significa “comercial” e é um domínio de topo de uso genérico. Muitos outros existem, conforme o organismo (.org, .aero, .gov) ou o país (.pt, .uk, .es, .bs, sendo este último das Bahamas, um destino muito em voga…).
Apesar das possíveis contradições, isto é um bocado como dizer o número de telefone da sua empresa num anúncio de rádio: ou é de fácil memória — tipo 007 — ou corre o risco de ser logo esquecido, com o acréscimo de poder causar acidentes, pela tentativa de se encontrar um lápis ou de se escrever no telemóvel.
Faça dieta, diga COM e não COME, e ateparaasemanaarrobaimensomailpontocom!

Publicado no Açoriano Oriental a 1 Mar 09

22/02/2009

PSSST!


Pode confiar!
Já pensaram que todos os dias, todos os dias da nossa vida, temos de confiar? Confiar que os produtos alimentares que compramos estão em bom estado (e não têm bicharocos nocivos, daqueles que não se vêem…); confiar que os “media” estão a dizer a verdade (ou o mais próximo possível); confiar que a cola dos selos vai aderir aos envelopes até a carta chegar ao destinatário; confiar que a queda do hífen em “há-de” não vai fazer do «hades» a regra (acho que estou a sofrer de memória regressiva e lembrar-me de outros PSSST! que já escrevi); ou confiar que o meu e-mail vai chegar a horas ao jornal. Enfim, confiar em inúmeras pessoas, coisas, processos, empresas e instituições. Eu tenho de confiar que me lêem. E os leitores têm de confiar que estas linhas vão ter um fim minimamente interessante!
Não sei por que carga de água me lembrei disto esta semana. Porventura porque a palavra confiança está cada vez menos confiante — desconfiada que anda dos usos que lhe dão; e menos confiável, pois de tão usada que é, desgastou-se.
Muitas são as expressões onde a palavra surge: ter confiança é sentir segurança em si próprio ou em outrem, ter crédito (desde que o “spread” não dispare!); dar confiança é permitir familiaridades; ganhar confiança significa sentir firmeza onde antes havia incerteza; ir à confiança é ter a certeza; abuso de confiança é tal qual como a expressão diz e exemplos não faltam; e também pode ser sinónimo de ousadia — olhem lá a confiança de fulano!
Perante isto tudo, vão lá à confiança gozar o Entrudo. E tenham confiança em que, quarta-feira que vem, os «Guronsan» já surtiram efeito.


Publicado no Açoriano Oriental a 22 de Fev 09

18/02/2009

"Azores" de John Updike, na tradução de Jorge de Sena

Açores
Por John Updike

Tradução de Jorge de Sena

Grandes navios verdes
eis que navegam
ancorados, para sempre;
sob as águas

enormes raízes de lava
prendem-nos firmes
a meio do atlântico
ao passado.

Os turistas, pasmando
do convés,
proclamam aos guinchos lindas
as encostas malhadas

de casinhas
(confetti) e
doces losangos
de chocolate (terra).

Maravilham-se com
os campos graciosos
e os socalcos
feitos à mão para conter

os modestos frutos
das vinhas e das árvores
importadas pelos
portugueses:

paisagem rural
vindo à deriva
de há séculos;
a distância

amplia-se.
O navio singra.
Outra vez a constante
música alimenta

um vazio à popa,
os Açores sumidos.
O vácuo atrás e o vácuo
à frente são o mesmo.


Tal como prometido, aqui vai a tradução; obrigada à Katharine por me ter recordado esta promessa. Quem quiser ler o original que clique aqui!

15/02/2009

PSSST!

Imediatamente, se faz favor!
Ser-se mediático — e suas vantagens e inconvenientes — foi amplamente debatido na SIC esta semana. Cada um retira as conclusões que quiser; não é isso que me traz aqui hoje.
Mediático é um adjectivo que nasce do conceito “media” (que, em Portugal, deve ser lido com um «e» aberto, ao invés do Brasil, que privilegia a leitura e grafia mais próximas do inglês “mass media”: ou seja, mídia). “Media” é uma palavra que nasce no Latim, significa meio e já está no plural, sendo “medium” o singular (e sem acento, para não se confundir com médium, o intermediário entre os vivos e as almas do outro mundo). De “media” surge mediático e, por arrasto, mediatismo — este último não é reconhecido pelos dicionários que consultei.
Se se deve usar a palavra “media” ou a expressão meios de comunicação social, também deixo ao vosso critério. Mas pensem um pouco: ser-se mediático é ser-se imediato? Supostamente não, pois é-se mediático porque se usa ou se é usado por um meio de comunicação, logo, um intermediário; mas tem-se exposição imediata, mesmo que bem ou mal mediatizada. Portanto, é-se mediático de uma forma mediata que resulta num efeito imediato. E ser-se mediático é ser-se mediano? Se calhar, pois a média que eu daria por ter de suportar a pelagem das pernas de fulano, a roupa interior de sicrana ou as namoradas de beltrano seria muito baixa; tão baixa quanto a que eu daria aos “media” que mediatizam o português com erros; ou aos governantes que, de tão imediatos que querem ser, se mediatizam por dá cá aquela palha. Quererá isto dizer que somos um país médio? Não sei, desde que não sejamos totalmente imediatos e muito menos instantâneos… como a sopa de pacote.

Publicado no Açoriano Oriental a 15 Fev 09

10/02/2009

Jornalismo isento?


Na entrevista de ontem, na SIC, conduzida por Mário Crespo, Maria José Morgado disse 2 ou 3 coisas sobre comunicação, social ou não; quanto a mim, foram extremamente importantes, lúcidas e sensatas. Uma espécie de análise do estado da nação e o vislumbre de uma filosofia de vida. O jornalista Mário Crespo, na última observação, cortou cerce.

Ficam aqui algumas citações (porque rabiscadas à pressa e no momento, é natural que enfermam de pequenas falhas).

"Não se pode estar a retirar da frase o efeito mediático que ela não tem."

"Não vale a pena estarmos aqui a fazer malabarismos com uma frase (...) seria ridículo. Não me ponha nessa figura, por favor."

"Se resistirmos ao que mediaticamente é irresistível, talvez consigamos alcançar uma comunicação social mais inteligente e mais capaz de reflectir sobre os acontecimentos."

Foi nesta tirada que Mário Crespo lhe cortou a fala. Pudera.

08/02/2009



Do contra
Não levem a mal, mas hoje sinto-me do contra. Não me apetece ouvir falar da crise, do Freeport, do Magalhães ou das eleições. Nada. Quero uma folga. Porque isso tudo tem, em mim, um efeito contraprodu…contraproce…contrapro…qualquercoisa…ente!
Contraproducente é muitas vezes transformado, por artes da poderosa magia “linguístico-entaramelada” (aconselho vivamente J.K. Rowling a explorar o tema!), em “contraprocedente”. Que não existe. Até poderia, pois se há contraprograma, contrapropaganda, contraprovar ou contraprestação, não custava nada acrescentar ao dicionário o nosso «contraproceder» e derivados. De qualquer forma, as pessoas já se encarregaram do assunto. Ou contra-encarregaram.
Contraproducente quer dizer que produz o efeito contrário, ou que demonstra o contrário, pendendo, na balança das vantagens, para o negativo. Todos os outros contras de que falei seguem, sensivelmente, a mesma lógica; contraprovar também significa verificar as emendas da primeira prova tipográfica; e contraprestação nada tem a ver com uma boa contraproposta do seu banco para lhe baixar a prestação mensal — é, sim, um termo legal, relativo ao cumprimento de deveres por uma parte em relação a outra. E quando estiver mesmo do contra, diga que está contra-alisado (que é o vento que sopra ao contrário dos ventos alísios).
Se vai ser sempre assim tão difícil dizer palavras com mais de 4 sílabas, resolva o problema de uma vez por todas: não diga. Ou então, comece já a praticar, lendo em voz alta as seguintes sugestões: calhamaçada, proparoxítona, octingentésimo, psamofítico… atabalhoamento!


Publicado no Açoriano Oriental a 8 Fev 09

07/02/2009

Um pouco de egocentrismo...


No dia 7 de Fevereiro nasceram...

1478 - Thomas More, advogado, político e santo da Igreja Católica
1812 - Charles Dickens, escritor inglês
1870 - Alfred Adler, psicólogo austríaco
1885 -
Sinclair Lewis, escritor norte-americano
1927 - Juliette Greco, actriz e cantora francesa
1960 - James Spader, actor americano
1963 - Maria das Mercês Pacheco, autora deste blogue

E como se tudo isto não bastasse para distinguir o dia de hoje, vejam lá a importância do número 7!

05/02/2009

Amizade



A amizade é uma alma com dois corpos. (Aristóteles)

01/02/2009

PSSST!


Disto e daquilo
Quem vive num meio mais urbano esquece, por força do malfadado stress (também pode ser stresse; e, à brasileira, é mais estresse), as vivências rurais do passado. Por isso, quando me disseram que um senhor de idade se referia ao arco-íris como “arco-da-vela”, fui pesquisar. E o friozinho bom que aí anda (com aguaceiros, que é para não defraudar quem acredita que nos Açores chove todos os dias!) ainda me inspirou mais. Como sinónimo de arco-íris, “arco-da-vela” não existe; os que existem, e largamente documentados, são arco-da-chuva, arco-celeste, arco-da-aliança e arco-da-velha (não sei o que o acordo ortográfico vai fazer a estes hífenes…). As três últimas expressões referem-se a um pacto entre Deus e Noé, pacto este mencionado na Bíblia, no Antigo Testamento (daí as palavras velha, celeste e aliança); arco-da-velha pode, também, e popularmente, ter outras explicações: a sua curvatura lembra a curva que as costas ganham com a idade (nalguns casos, até há-de ser menos a idade e mais a sabujice).
Parênteses à parte (e já foram muitos), o que mais me atraiu foi o facto de o tempo tornear assim as palavras — o tempo, o isolamento, a oralidade e a ruralidade destas ilhas. Faça uma experiência: peça a alguém para dizer o nome daquele objecto onde se podem colocar moedas com o fito de poupar e que tem mil e uma formas, desde uma caixa até um porquinho. Como é que se chama? Sim… diga? “Melhalheiro” é o que você vai ouvir a maior parte das vezes; na verdade, é mealheiro que se diz e escreve, e vem de mealha (migalha; antiga moeda, igual a meio ceitil), que por sua vez deu o verbo amealhar. Um verdadeiro arcaísmo, não tarda muito!


Publicado no Açoriano Oriental a 1 Fev 09